Agora não adianta mais me procurar


[Você pode ler este texto ao som de Magnets]

Depois de alguns meses ou anos ou décadas ou seja o tempo que for, você vem. Reaparece se esgueirando pelas bordas, percebe os cadeados, tenta dar um jeito. Tudo começa com um contato breve com alguns amigos, talvez a minha mãe, talvez a tia que mais gostava de você. Um esbarrão totalmente ocasional no meio da rua ou uma mensagem reescrita trinta e cinco vezes pra não ter erro. Assim voltam a falar de você.

Você tenta o tempo todo renascer. Acha que vai florescer de novo por aqui feito erva daninha e ataca as minhas paredes, esperando o momento exato de tomar tudo. Ouço seu nome e não entendo por que ele volta a fazer parte do cotidiano, cuspo o vinho e deixo cair o sorriso no chão. Não tem quem limpe as manchas na minha roupa. Não tem quem limpe suas manchas de mim.

Você faz contato direto. Já esperava. Repete o discurso cauteloso como se já me conhecesse bem antes de dar as primeiras investidas. É primavera, você alega, será que não poderíamos sair para ver as flores? Pressinto o perigo. Os filmes de super heróis me ensinaram a ter sexto sentido. E eu vejo gente morta agora. Vejo você. Vejo os seus movimentos. E declaro no mesmo momento que não vou voltar pra aquele tabuleiro imundo, coberto de poeira, onde eu era peão num jogo que eu nunca soube jogar. Dessa vez, não tem xeque-mate.

Você pergunta o que houve, por que eu estou estranho. Merecemos um recomeço, diz com um sorriso sádico que não me convence, não convence o garçom, não convence nem o seu reflexo no talher de prata. Mas, novamente, estamos aqui. Por que eu vim? Não sei, talvez eu quisesse ver até onde você consegue levar isso. Você canta vitória, mal sabe o que eu preparei pra linha de chegada. Dessa vez, você não cruza os meus portões. De jeito nenhum.

Você começa a falar, eu te indago. Por que agora? Ouço um tornado e um papo cheio de vendavais começa pra dentro de mim. Brinca com memórias e altera algumas fotografias que eu tinha bem guardadas dentro de mim. Acha que o tempo vai te ajudar a misturar as coisas, a mudar minhas lembranças, sinto que você tenta alguma lavagem emocional. Reluto e indago novamente. Por que agora? Você não responde e pede a conta.

Depois de um tempo, eles sempre voltam. Se arrastam como fantasmas que estiveram ali amedontrando a gente uma vida inteira. Voltam e fazem questão de tentar entrar à força numa história que não conta mais sobre eles. Voltam e tentam nos convencer que o passeio valeu a pena, conquistamos uma versão 3.0 novinha deles. Voltam e fazem de tudo para retormar um lugar que já foi trocado, talvez por alguém mais novo, mais divertido, mais inspirador, que seja. Não importa quem seja o tal alguém. Importa a troca. Importa a despedida. Importa que ele foi embora e agora volta porque alguma coisa não deu certo na aposta dele. Enquanto isso, nesse tempo todo, nós ficamos aqui. Congelando. Sentindo frio. Tentando sobreviver. E, quando nós finalmente conseguimos, eles voltam.

É uma pena que agora eu saiba.
É uma pena que agora tudo faça sentido.
É uma pena, mas não adianta me procurar agora.

Certas coisas têm prazos de validade muito bem definidos quando decidimos estragá-las.


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