Eu projetei todos os homens que amei em você


[Você pode ler este texto ao som de Medicine]

Na primeira vez que te vi, tive a certeza de que Deus existe. Não foi nenhuma divindade quem providenciou o nosso encontro, longe disso, acho que foi um aplicativo de paquera que baixei por me sentir carente demais em São Paulo. Mas eu tinha certeza de que havia algo de sagrado naquele encontro. Lembro de entrar no café meio grogue do Clonazepam que tinha tomado duas horas antes de te ver, mas é que eu não sabia. Não sabia que você tava na cidade nem que existia de verdade. As noites que eu gastei conversando contigo eram sempre as minhas piores noites de ansiedade. Eu acendia um cigarro atrás do outro enquanto pensava em respostas suficientemente misteriosas pra te manter interessado. Você não sabia disso, é claro.

Existe um quê de curioso em contar pros meus amigos que fui encontrar um desconhecido às três da manhã numa madrugada que marcava doze graus em São Paulo. Teria sido comum se eu pegasse um carro pra sua casa só pra tirar a roupa e dar uma trepada. Mas um encontro às escuras era um baita diagnóstico de loucura minha. Ou nossa. Nunca vou saber. A divindade que eu reconheci pode ser explicada pelo jaleco branco do seu intervalo da Santa Casa. Achei charmoso na hora, mas hoje eu acho um pouco nojento. Não entendo mais gente que tem fetiche por médicos trajando jalecos brancos cheios de bactérias e histórias de pessoas que estão morrendo em UTIs. O meu sagrado é mais sadio hoje em dia.

Deu tudo certo naquela noite. Certo demais. Pra não deixar ninguém esperando por uma linda história de amor, eu já me adianto: a gente não deu certo. Na verdade, a gente nem chegou a acontecer. Nós trocamos mais mensagens, tivemos mais encontros, comemos em lugares melhores sem roupas de trabalho, mas deu em nada. Pra ser honesto, você me rendeu três anos de psicanálise e uma raiva enorme de Freud. Nós ainda nos falamos e brincamos com o outro nas redes sociais. Eu até conheci aquele teu namorado estranho que vomitou nos meus tênis na saída da balada. Um fofo. Pena que também não deu certo.

Tive muitos encontros depois de você. Por alguma razão, eu sempre acabava voltando à lembrança das conversas que tivemos, das noites engraçadas que passamos junto e do seu medo absurdamente grande de palhaços. Não consigo ir a um circo sem imaginar você por lá. Minha nova terapeuta acha que eu sinto alguma coisa por você. Já a antiga me diz que eu tenho algo mal resolvido com você. Discordo das duas. Eu só projetei em você todos os homens que eu sempre amei e que nunca me quiseram.

Essa coisa de projetar é meio doida. Me sinto o Dr. Frankenstein retalhando as experiências afetivas que eu sempre quis ter, mas nunca consegui encontrar em alguém. O fulaninho era crítico demais pra entender meu gosto por filmes ruins. O vizinho do apartamento de baixo adorava as minhas piadas, mas ligava sempre pra reclamar do meu karaokê solo de Spice Girls depois das dez. O Felipe não gostava mesmo de mim, então a gente terminou. O Júlio foi embora. Você não. Você ficou. Talvez isso tenha me feito lutar por você mais do que eu já lutei por outro homem na minha vida. Coloquei esforço no contato, mesmo distante. Quis me divertir com você e sentir uma angústia gigante quando você beijou aquele menino no Rock in Rio. Te apresentei um monte de gente porque, caramba, você merece ser feliz.  

Eu também mereço. Mereço muito.

É por isso que te escrevo. Sem timing, sem nenhuma intenção de te chamar pra ver o novo filme do Woody Allen ou perguntar como você está. É só uma despedida. Mais minha do que sua. Essa é a merda da projeção: do mesmo jeito em que eu construo você sozinho, eu preciso te destruir. Partir pra outra. Conhecer gente nova. Abrir a porcaria da imaginação pro tal do sagrado mais sadio que eu falei antes. Sofrer de verdade, sabe? Longe de mim querer sofrer, mas é que eu já sofri muito por nada. Eu quero rir das piadas de alguém por inteiro, acordar desesperado por não estar no meu quarto por inteiro, cozinhar alguma coisa com sal demais pra alguém que vai cuspir a comida toda – por inteiro também. Antes não dava porque eu sempre deixava metade com você. 

Não existe nada de charmoso em contar pros meus amigos que eu decidi me resolver e que agora eu tô por aí tranquilo, esperando a próxima boa história que vai acontecer pra contar pra eles. Mas dessa vez é tudo real. E eu tô feliz com isso.

Você sabia que eu escrevi um livro novo? Ele se chama “O que eu tô fazendo da minha vida?” e fala sobre como a gente precisa enfrentar os nossos demônios interiores para tentar curar os problemas que nos impedem de seguir em frente no amor, na família, na carreira e em qualquer outro lugar de crise. Ele também fala um pouco sobre o período de depressão e das crises de ansiedade que tive, dos traumas e dos aprendizados que a terapia me trouxe e tudo mais. Se você quiser saber mais sobre ele, é só clicar aqui para ler mais e comprá-lo com desconto: O que eu tô fazendo da minha vida?



-

Você também pode gostar desse assunto. Assista ao vídeo abaixo:

Comentários