Eu não mudaria nada em você


Ele permaneceu parado na porta. Malas prontas e um olhar perdido cheio de incertezas.

A pizza esfriava na mesa e o vinho pingava manchas impossíveis de limpar. Seriam uma eterna lembrança das palavras que nunca deveríamos ter dito entre um gole e outro.
Ele tinha lágrimas nos olhos. Me dei conta que nunca o vi chorar.
“Vai ser melhor assim”, eu disse sabendo que era mentira.

Ele me olhou com um meio sorriso e perguntou:
– Você faria tudo outra vez?
– Como assim?
– Se soubesse que acabaríamos assim? Você faria tudo igual? Teria ido lá em casa aquela noite? Teria ficado?

Senti meu corpo inteiro perder toda a certeza que o mantinha em pé.
– Não sei.

Voltei no tempo e voltei no apartamento onde ele morava. Era pequeno e eu lembro de observar cada detalhe com estranheza. Nunca tinha visto tanta coisa junta. Com o tempo eu descobri que aquele apartamento era a síntese dele mesmo. Um monte de sentimentos e vontades, tudo misturado em um peito onde não cabia nem a metade.

O violão que ele nunca tocou estava ao lado do skate empoeirado e da bateria que ele jura que tentou aprender a tocar. Garrafas de vinho vazias descansavam impunes… dividindo espaço com coleções de coisas desconexas e uma máquina de café.

Eu me apaixonei ali. Parada em frente àquela mesa na sala. Ele era assim. O amor descansava em um canto da parede, próximo à saudade de paixões perdidas e todas as perguntas que ele não fez permaneciam sem resposta dentro de um pote.

Não lembro por que, mas ele me contou que nunca chorou de tristeza, mas que às vezes acordava chorando de medo do escuro.

Ele me abraçou e me levou pra cama. Logo depois de me contar, aos risos, que não lembrava muito do nosso último encontro. Nos conhecemos em uma dessas noites em que os dois tinham teor alcoólico mais elevado que o nosso juízo.

Eu sorri aliviada. Eu lembrava do beijo. Do abraço, mas não do rosto. E muito menos que nos dois tínhamos a mesma altura.

Fomos felizes naquele dia e em todos que compartilhamos a cama. Mas não soubemos compartilhar a vida.

De volta aos olhos mareados dele na porta de casa eu chorei. Abracei e sussurrei no seu ouvido:
– Eu não mudaria nada. Nem o encontro e nem a despedida.

Comentários