Um dia desses uma amiga me falou de uma tradição Japonesa chamada Kintsugi, que significa algo como “emenda de ouro”. Pelo que entendi a técnica é usada para restaurar porcelanas quebradas, com uma resina e acabamento em ouro, prata ou platina. A peça “remendada”passa a ser mais valiosa do que era e, para muitos, mais bonita.
Nossa mente ocidental talvez tenha dificuldade de entender como algo remendado pode ser mais valioso. Nossa ideia de perfeição e simetria não combinam com a imagem de um pote quebrado. Mesmo que colado com ouro. E de onde vem a beleza do pote? Da história que ele carrega. Da sobrevivência que fica gravada em cada remendo.
Pensei em todas as vezes que fechamos os olhos e desejamos poder voltar no tempo. Antes da queda. Antes dos erros que cometemos sem pensar, antes das palavras que dissemos sem querer, antes de sermos jogados no chão e transformados em pedaços do que fomos. Pensei em todas as vezes que pedimos desculpas, esperando ingenuamente que, em um passe de mágica, aquilo apague tudo que aconteceu e o passado simplesmente desapareça.
Quem nunca perdoou em um dia e se arrependeu no dia seguinte, por que descobriu que não para de doer simplesmente por que perdoamos?
Não voltamos a ser pote simplesmente por que alguém juntou nossos caquinhos. Precisa de calma. Precisa de alma. Precisa de tempo. Precisa de arte. Precisa de paciência pra montar os pedacinhos no lugar certo. Entender. Aceitar. Precisa se perdoar antes de perdoar o outro. Acredito que existam potes que não podem ser consertados. Pratos que não valem a pena, xícaras que nunca mais terão asas…
Mas acredito também que remendados podemos ser mais fortes.
Relacionamentos são difíceis, cometemos erros imperdoáveis, fazemos escolhas estúpidas, jogamos ao vento palavras que nunca deveriam ser ditas. Somos frágeis e muitas vezes esquecemos que os outros também são. Todos fingindo ser fortes nessa loucura chamada amor. Mas não passamos de porcelana. Em pedaços. Espalhados pelo chão.
Talvez precisemos aprender a enxergar a beleza das nossas emendas pra aprendermos a remendar o que amamos. Entender que podemos, sim, conviver com o passado e com as culpas que carregamos, os erros que juramos nunca cometer, ou os que acreditamos que nunca seríamos capazes de perdoar.
A filosofia milenar japonesa não é ingênua o suficiente pra achar que o remendo funciona como uma máquina do tempo e o pote voltará a ser como antes. Assim como não podemos ser tontos e acreditar que apenas o amor é capaz de curar tudo. Ainda não inventaram a tal máquina que nos possibilitaria voltar e não dizer o que dissemos, não fazer o que fizemos ou simplesmente desfuder o que fudemos (ou quem).
Não existem relacionamentos perfeitos. E somos muito cruéis com nossos parceiros exigindo deles essa inalcançável perfeição. E mais cruéis ainda com nós mesmos. Somos um misto de assimetria, defeitos e cicatrizes.
Eu aprendi com o tempo (e as marteladas) a ter orgulho de todas as minhas emendas. Sei o quanto me custou, quanto ouro eu usei, quanto tempo lixando e moldando. Assim como no Kitsungi, não as escondo. Não finjo que não aconteceram. Que não caí. Que não fui traída, que não traí, que não amei, que não sofri. Tudo isso é parte de quem eu sou hoje. Misturado no mesmo liquidificador com todos os amores, os sorrisos, as paixões de uma noite, os amigos. Impossível separar.
Aprendi que não posso viver no passado. Carrego ele apenas como parte da minha história. Mas não posso seguir alimentando dores e mágoas. Sou vaso remendado. Colado em resina. E ouro. Muito ouro.
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