Você tem sido muito duro com você mesmo. Talvez você não perceba, mas se bateu em todas as vezes em que deveria ter se tratado um pouco melhor. Nem precisou pegar uma vara de marmelo em cima da cômoda e explorar o seu corpo. Nem precisou cravar as unhas na pele e deixar indícios da culpa no sangue seco nas cutículas . Nada disso. Foi só você gritando com a pessoa que você é.
Você ignora as suas dores. Acha que elas são bobagens que não precisam ser colocadas pra fora, mas está sempre tentando dizer alguma coisa sem saber como se expressar. Expressa com fogo nos lábios e fumaça pra dentro do corpo, com goles bem servidos de líquidos amargos, com caras que não valem metade da conversa jogada fora enquanto entram em você. Você diz. Seu corpo diz. Só que você não se escuta. Talvez tenha medo de confrontar os fantasmas, os demônios ou as pessoas que não parecem tão assustadoras quanto os seres mágicos e horrendos que aprendemos a temer. Talvez, por isso, você tenha mais medo do silêncio que do escuro, embora nunca tenha parado pra pensar nisso. A quietude te faz entrar em contato com a única presença na sala: você.
Você não conversa com o espelho. Não basta se arrumar, ajeitar os cabelos, escovar os dentes, brincar espalhando um creme no rosto. É papo de encarar mesmo. Olhar nos seus olhos do jeito que olhariam pra você no momento que antecedesse o melhor beijo da sua vida. Dá medo de cair pra dentro da gente e descobrir que tá tudo uma zona, tá tudo errado e não tem muito como fugir. Não tem como mesmo, viu? O caminho mais fácil, nessas horas, é não se olhar nos olhos para não cair pra dentro de si. Já o caminho libertador é enfrentar as coisas ruins que você tem vivido e que não conta pra ninguém.
Você tem receio do eco da sua voz em espaços pequenos porque não se sente confortável com a ideia de responder todas as suas questões. Mas também não se pega no colo, não é? Cobrança, cobrança, cobrança. Até a sua gentileza cobra de você um desconforto por se sentir livre. É como se você tivesse vindo a essa vida pra sofrer e qualquer felicidade ou paz disparasse um alerta de que as coisas estão erradas, porque você acha que não merece essas coisas. O que você veio fazer aqui? Sobreviver? Passar pela vida sem sentir nada de bom? Poupe-se. Sem ironias. Apenas se poupe.
Você precisa aprender a ser mais gentil consigo. Entender as suas falhas e aprender com elas, sem usá-las para recriminar o seu caminho até aqui. Tem coisas que aconteceram há anos e ainda machucam porque você não conseguiu se perdoar, embora perdoe de coração aberto outras pessoas. Tem gente que ama a sua companhia, ama o seu jeito de ver o mundo, ama os seus talentos para jardinagem ou gastronomia, ama a sua ligação no final de semana chamando pra jogar videogame ou trocar um papo-cabeça depois do jantar. Ainda assim, você não consegue ver essa pessoa que os outros amam. Pois bem, convide-a para comer alguma coisa, bater um papo, lavar a roupa suja a quatro mãos. Conheça melhor a pessoa que vive dentro de você. Seja amável com ela, como você é com os outros. Quem sabe, com alguma sorte, você consiga restaurar a sua alma e conviver com o silêncio amigável da sua própria companhia.
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Esse texto faz parte do meu novo livro “O que eu tô fazendo da minha vida?” e fala sobre como a gente precisa enfrentar os nossos demônios interiores para tentar curar os problemas que nos impedem de seguir em frente no amor, na família, na carreira e em qualquer outro lugar de crise. Ele também fala um pouco sobre o período de depressão e das crises de ansiedade que tive, dos traumas e dos aprendizados que a terapia me trouxe e tudo mais. Se você quiser saber mais sobre ele, é só clicar aqui ou na imagem abaixo para ler mais e comprá-lo com desconto.