Dia desses eu li por aí que “a gente deveria dar pra nós mesmos esse amor que tão livremente damos aos outros” e fiquei com a frase na cabeça por muito tempo. Saí de casa, peguei o metrô, comprei um café, me espantei com o preço de um smartphone que tinha acabado de sair e preferi guardar o dinheiro para comprar um apartamento no futuro. Ainda assim, a frase não saía da cabeça. Como assim? Que história é essa do amor que damos aos outros?
Acho que nós nunca nos perguntamos como está a nossa relação conosco. Vivemos nesse corpo, não nos vemos com a mesma frequência com a qual vemos os outros. No máximo, enxergamos pernas, braços, mãos e outras coisitas que ficam à vista. Lidamos com gente o tempo inteiro. Mas nunca paramos para pensar no tratamento que damos aos nossos corpos, mente e alma.
Uma vez, minha terapeuta disse que me achava muito duro sobre meu nível de cobrança comigo mesmo. E eu sempre achei natural. Cresci numa família em que meu pai só se importava com as notas altas e dizia que eu não fazia mais que a minha obrigação. Quando as notas não eram atingidas, eu entrava em desespero e recebia duras críticas do meu pai. Talvez isso tenha me levado a pensar no processo natural que as cobranças por resultados altos têm na minha vida. Mas a coisa é mais embaixo. Não adianta: nada do que eu faça é interpretado como bom. Não rola aquele orgulho que eu tenho quando algum amigo atinge um objetivo ou realiza um sonho. Eu não me convido pra jantar, não me levo ao cinema, não reconheço o tempo livre como uma coisa boa. Pelo contrário, exijo que eu esteja sempre trabalhando, sempre agradando as pessoas que amo, sempre saindo de casa para ver alguém mesmo que meu corpo peça cama e 12 horas de sono.
Não se trata apenas de fazer exercícios, comer direito, interpretar seu corpo como seu templo. É uma coisa mais complexa. Tem a ver com a gentileza de ser você. De se olhar no espelho. De se enxergar. De ver as marcas que o tempo fez no teu rosto, nas tuas mãos, nos teus lábios cortados pelo frio. Perceber que você merece um jantar gostoso feito em casa ou uma pizza inteira pedida no delivery. Que você pode dizer “não” pra sua melhor amiga quando quiser apenas terminar sua série favorita tomando uma caipirinha de cachaça. Que você precisa de momentos de meditação, de religião, de espiritualidade. Que você pode deixar de comprar algo pra ir viajar e gastar o dinheiro que tinha pra isso. E, mais importante, que você pode se perdoar. Se pegar no colo e se dar abrigo. Ser mais brando e leve com você. Ser gentil com a pessoa que mora aí dentro.
Acho que foi por isso que a frase pegou tão certeiramente em mim. Porque eu não tenho feito isso. Não tenho me tratado com o amor que dou tão livremente aos outros. Não tenho olhado pro cara que mora aqui dentro e simpatizado com ele. E isso acendeu um alerta dentro de mim. Tanto é que, das outras vezes em que saí, convidei o sujeito do espelho pra tomar um café num lugar bonito e pensar na vida, nos sonhos que ele nem lembrava que tinha, nas coisas que tão por aí e que a gente não percebe como são bonitas. Sem pressão, sem reunião de trabalho, sem a necessidade de escrever um livro novo. Só tratando com amor a companhia mais importante da minha vida.