São quase dezesseis horas de um dia útil e eu não consegui fazer nada além de rolar a timeline das minhas redes sociais e responder e-mail urgentes. Tenho que organizar algumas coisas de trabalho, entrar em contato com a editora para falar sobre o meu livro novo (e terminar de escrevê-lo), programar algumas viagens e comprar passagens, realizar os pagamentos rotineiros de contas e organizar minha agenda de compromissos e não fiz nada.
Na verdade, eu até fiz.
Quando sentei de frente pro computador – há 3 horas – resolvi que a incapacidade de me decidir entre as abas e os itens da minha to do list seria solucionada melhor se eu estivesse alimentado. Peguei o strogonoff de ontem na geladeira e esquentei no microondas, aproveitando que a comida já estava pronta. Abri uma coca-cola zero – porque eu sou desses que se ilude com coisas zero, light, glúten free e afins no dia-a-dia. Comi. E voltei pra minha saga de coisas a fazer.
Abri o Spotify, escolhi uma playlist e recomecei. Bateu uma bad. Deitei um pouco na cama, fiz uma ligação, decidi que as minhas pernas parariam de se sacudir rapidamente se eu tomasse alguma coisa. Suco e pipoca, bingo! Uma pedida boa para ter o que beliscar enquanto trabalho. Mas até agora eu não fiz nada. E todos os meus dias têm sido assim.
Percebo que quando a tristeza bate, a primeira coisa que procuro fazer é comer. Quando estou imensamente irritado também. Eu mereço um sorvete, uma fatia de bolo ou qualquer guloseima gordurosa e cheia de açúcar que exista em casa ou ao alcance do meu pedido de delivery. Meu pote de meio quilo de Nutella já foi quase todo, mesmo eu jurando que faria dieta no último mês. Meu modo de extravasar desconta tudo o que sinto de ruim em comida, como se me empanturrar até sentir um desconforto físico fosse uma forma de suprir o estado emocional afetado. Preencho o vazio com coisas sólidas que estejam ao alcance dos meus olhos, e comida parece ter uma ligação forte com momentos afetivos importantes. Então por que não tentar ressuscitá-los através da alimentação?
Minha terapeuta diz que é mais comum do que se imagina. Tem gente que tenta preencher esse vazio existencial com trabalho – manter-se ocupado por muito tempo é uma solução passageira para não pensar na vida. Gente que preenche com muito sexo, drogas, álcool e rock n’roll. Gente que é viciada em viajar para nunca ter que lidar com o lugar-problema. Gente que não consegue suportar o fato de ficar sozinho consigo mesmo dentro de casa e foge para lugares abarrotados de gente para aliviar a sensação da própria companhia. Todos esses são modelos de fuga que beiram o extremismo, numa tentativa furtiva de preencher o vazio com coisas que dão prazer, mas que apresentam consequências perigosas no longo prazo e uso contínuo. As famosas compulsões.
Até então, eu só estava familiarizado com compulsões leves – se bem que não dá pra dizer que se apaixonar facilmente é uma “compulsão leve”. Mas o coração vadio era tranquilo perto das frustrações da vida adulta. Os dias que não parecem caber nas vinte e quatro horas, os planos que foram amassados e jogados no lixo feito bolinha de papel, a casa que não se limpa sozinha e o dinheiro que parece cada vez mais curto. Isso dentro da minha bolha de “classe média sofre”, né? Imaginem os perrengues de quem nem pode se dar o luxo de “ter um terapeuta” (por mais que existam hospitais que prestem assistência gratuita). As pernas tremendo e a cabeça num estado gasoso estranho, como se você tivesse flutuando pra longe de todo e qualquer foco e objetivo de vida. E dá-lhe compulsão para tentar remediar isso.
Parece um ciclo que nunca acaba. É entrar nessa paranoia e cair na compulsão. É se dar conta da compulsão e tentar controlar por alguns dias, até uma nova onda de ansiedade chegar te arrastando pela casa. Daí, meus amigos, é tudo novo de novo. O segredo, aparentemente, é vasculhar. Vasculhar as dores, analisá-las, identificar padrões que demoram anos. Nada se resolve de uma hora para outra e ficamos nesse limbo, nesse espaço de dúvida, nesse meio tempo insosso que não tem mais nada a dizer nesse fim de texto. E essa sensação é horrível.