Você me dá fome


Não vou mentir: você me dá uma fome que chega a ser vulgar. Não sou das mais brandas – como você sabe, eu tenho uma língua deveras ferina -, então vou me poupar de oferecer detalhes, mas: você me dá fome. Tenho desejo de pele, ânsia de arrancar os fios do seu cabelo pela raiz, uma pulsão animalesca de arranhar, marcar e dominar. Acima de tudo, no entanto, o que se prevalece é a fome. Puta coisa besta essa história de criar expectativa em cima de algo que nem sei direito se começou, não é verdade?

[Se não me quer, meu bem, fala de uma vez. Não me olha como quem quer, que eu não sou mulher de esperar demais. Já houve um tempo em que eu achava uma delícia essa história de romantizar o que nunca é dito, mas sabe, não tenho mais idade. Passa dia, mês e ano e a inércia continua sendo o maior dos meus pesadelos. Hoje eu me encanto pelo que é impresso em letras garrafais, rosnado e escarrado. Cospe na minha cara se quiser, mas não me deixa sem saber para onde correr. Me mata de raiva e de acúmulo e de frustração e de euforia e me dá um olhar dos mais gélidos se quiser, mas não me mata de dúvida. Não tem nada que possa ser mais desesperador para quem tem pressa do que vislumbrar um quebra-cabeça que nunca se permite ser montado.]

Às vezes paro para pensar e me incomoda um tanto esse fulgor antropofágico que habita em mim. É tesão de comer o corpo inteiro, de chupar os ossos no fim, mesmo. Não sou das mais brandas, mas: meus dedos encaixariam bem nos seus dedos e seus lábios, morangos maduros que são, me abrandariam a gana por dias a fio. Que difícil é essa situação de desenhar planos, meios e fins enquanto sorvo de um chá morno e o observo seu caminhar felino de longe, sem deixar escapar um “a”. Cruzo as pernas. Bebe comigo, eu quase convido num grito afoito. Bebe comigo, aquece a sua garganta nessa manhã fria de primavera – quem é que entende essa cidade doida? – com um terrível chá de gengibre e me olha com os seus olhos morenos, sempre febris.

Sem produzir qualquer som – nem o menor que seja -, eu engulo e engulo e engulo, queimando por dentro e de formas mil.

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