Foi sem querer que decidi ir embora. Você não sabe, moço, mas aquele dia acordei determinada a te deixar partir, porque eu teimava em olhar lá para frente e não havia um futuro para nós dois. Você sabia disso, tanto quanto eu. Incontáveis vezes você me disse, entre uma lágrima e outra, que não havia um amanhã para a gente e, num rompante de (in)sanidade, decidi ir.
A vida tinha me presenteado com uma possibilidade gritante de futuros e certezas e então fui. Joguei-me nessa loucura de te deixar para trás e segui em frente, sem pensar duas vezes. Estava fácil, moço. Foi fácil demais te deixar. Foi tranquilo, sereno. Depois que rompi a urgência que tinha tua, me senti leve e solta e tão eu mesma que, volto a repetir, foi brando partir.
No meio da rotina que tanto me consumia, acabei escondendo a parte de mim que era toda tua. Reinventei-me nova e, dia após dia, cada pedaço do meu ser desmoronava, deixando-me nua e decifrável, embora ainda teimando disfarçar. Quanto mais transparente fico, mais tua volto a ser.
Eu fui, mas o amor ficou, sabe? E vejo nas entrelinhas cada punhado do amor que senti pulsando alegremente. Quase zombeteiro. O coração fica miúdo dentro do peito, remoendo os detalhes — sempre os detalhes — que estão cravados feito tatuagem na memória. Não importa o tempo que passa e a rotina que acomoda, todos os ases e poemas e perfumes fazem questão de aparecer vez ou outra, quando não vez em sempre… E olho para trás, mas nada vejo. Não há nada de ti além do que lateja aqui do lado de dentro…
Não me arrependo de ter ido. Mas queria muito, muito, muito além da conta, que o amor não tivesse ficado.
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