A gente não vai dar certo


[Você pode ler este texto ao som de I Can’t Help Falling In Love With You]

Ele diz que não gosta de abacaxi assado e que não come carne, já risco da lista de convidados pro churrasco. Diz que não acredita muito em signos e que essas coisas são balela. Escondo as minhas cartas de tarô e as pedras místicas, puxo o próximo assunto. Diz que não gosta de falar o tempo todo e que mal olha o celular. Eu controlo a tremedeira que me dá por não visualizar as notificações a cada dez minutos.

É, parece que a gente não vai dar certo.

Ele fala com propriedade sobre um monte de cidades que eu não posso deixar de conhecer, acho apaixonante, me debruço sobre os mapas, queria mesmo era me debruçar sobre ele. Desembucho meia dúzia de informações sobre os poucos lugares que eu fui na vida e ele diz que não tem problema, que um dia eu vou entender sobre o que ele fala. Não bebe café porque mancha os dentes enquanto peço espresso duplo para atacar de vez a gastrite. Fez três línguas e eu morro de medo de errar alguma pronúncia em francês, me sinto meio limitado perto dele.

É, a gente não vai dar certo.

Eu vaio em estádios olímpicos enquanto ele fica sentado. Peço para ir embora mais cedo da balada enquanto ele gira no pole dance. Ambos damos vexame e o porre acaba com a descoberta de que preferimos o mesmo lado da cama. Crise na Gávea. Acabamos dormindo no chão com as roupas na cama. No dia seguinte ninguém sabe separar de quem é tal coisa, de quem é tal camisa, ambos atrasados demais para pegar o ferro de passar roupas. Ele pega o carro, eu corro pro metrô. Nenhuma palavra até a hora do almoço. E dá-lhe “quando eu te vejo de novo?”, e toma-lhe “não consigo esperar muito”, e mete-lhe “tô passando pra te pegar então”. Ele é cinema, eu teatro. Ele vai pra Argentina, eu vou pro Rio. Ele na praia, eu tenho alergia a sol. Ele usa muito azul, eu sempre sou gótico de preto. Ele com frio, eu aqueço. A gente achou que não daria certo.

Mas até que deu. Até que tem dado.


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