[Você pode ler este texto ao som de Older Chests]
Noutro dia desses, as portas do café que costumo frequentar fecharam mais cedo. Senti falta de abrigo. Eu, que só tomo um espresso por dia para não atacar a gastrite, tinha virado três canecas enormes e já sentia tudo formigar aqui dentro. Era uma das muitas maneiras que eu tinha encontrado para disfarçar a angústia que eu sentia por conta dos últimos fatos: você tinha ido embora.
E quem era você? Quem seria você daqui a alguns meses, daqui a alguns anos? Eu não sei. Você não “se deixou acontecer”. Só disse que ia embora porque ainda amava o ex. E eu entendo. Eu só baixei os olhos para não ter que encarar os seus. Estavam marejados, mas a revolta no mar era aqui dentro, atingido subitamente por alguns furacões formados no meio do oceano sem previsão anterior. Você já foi atingido na nuca por algum objeto pesado? Te digo: a sensação é a mesma que ser atingido por um fim inesperado. Demora até reconhecer o que aconteceu, demora até você virar as costas e tentar enxergar o objeto, quem o atirou, o que está acontecendo ao teu redor porque você está tonto.
Entendo muita coisa nessa vida, a gente sempre entende. Disse que seria melhor se ele se revolvesse, se ele abrisse a caixa para alguém poder entrar no futuro. Entendo, compreendo, continuo gostando de você, mas isso não faz doer menos. Não faz com que eu consiga, de uma hora para outra, fingir que nada aconteceu e que nós agora somos amigos, porque bem, nunca fomos. Nós éramos qualquer outra coisa que se enrolava em lençóis e acordava com a luz nas frestas da persiana, com o barulho da avenida aqui de frente, com episódios parecidos com as séries que a gente não viu.
Sempre achei que entender os motivos que fazem alguém ir embora tornaria a despedida mais fácil. Bobagem pura. Isso até pode ajudar a colocar a cabeça em ordem, mas como fica o coração? Fica bagunçado pra caramba, numa mistura de quem não acredita no que acabou de acontecer com quem sabe exatamente que voltamos à estaca zero. Racionalizar um fim não o torna menos doloroso, só faz com que a gente volte mais rápido à vida normal.
Eu não quero falar sobre isso, não quero responder às perguntas dos outros perguntando se eu estou bem. Não quero gente medindo o que sinto pelo tempo que passamos juntos, não quero ninguém me dizendo o que devo ou não fazer para que a dor passe. Não preciso de amigo algum me dizendo que ele foi honesto e que poderia ser pior, porque isso eu já sei desde o momento em que fiquei olhando a saída dele pela porta do meu quarto. Não gosto de fórmulas, não pretendo seguir receitas, não vou jogar minha racionalidade nisso tudo porque, de alguma maneira estranha, isso já está resolvido na minha cabeça. Só não para de doer, só não para de travar a garganta enquanto eu escrevo esse texto. É igualzinho a quando tomo mais de um espresso num dia e sei exatamente o que vai acontecer com a gastrite. Nem por isso deixa de ser incômodo. Nem por isso deixo de sentir alguma dor.
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