[Você pode ler este texto ao som de Turning Tables]
Meus amigos sempre têm um conselho padrão quando alguma decepção bate à porta. Supera, cara. Supera isso. Não vale a pena. Bufo, estampo um sorriso amarelado e fecho a porta. Não é deles que eu preciso agora, não é de compaixão ou algum sinal de compadecimento. Não é de alguém me mandando superar uma coisa que acabou de acontecer. Agora é só o início do processo.
Eu não quero ter a obrigação de processar tudo de uma hora pra outra, até porque seria mentira. Ninguém se despede numa manhã e se encontra impassível, totalmente zero, logo de noite. Balela pura. E por mais que os outros e as pessoas ao redor queiram ajudar com palavras que parecem amenizar o efeito, isso não funciona. Não me importa se me mereciam ou não, não me importam se eram babacas ou não, não me importa nada disso. Esse luto não é racional, ele não vai levar em consideração as opiniões alheias que tentam me confortar como uma forma de amenizar qualquer coisa.
Eu quero poder pegar a minha dor e ir pra um canto, sentir tudo sozinho. Quero sentir cada pontada e cada lembrança, quero abraçar essa dorzinha aguda no peito e passar o tempo que eu achar necessário. Não me peçam pra esquecer alguém em vinte e quatro horas, não me peçam pra esquecer alguém em duas semanas. Eu sei que é perigoso ficar sozinho num porão pra sempre, uma hora falta ar, uma hora nos acostumamos ao escuro. Não vou chegar a esse extremo, só preciso que respeitem a minha decisão de sentir. E sentir a perda é um processo que cada pessoa encara de uma forma única, no tempo que tiver que ser.
Quero poder escolher passar duas noites em casa e tomar três porres no litoral no final de semana. Quero poder não querer tocar no assunto e dizer pro meu melhor amigo que eu entendo o apoio, mas não preciso disso agora. Que o máximo que ele pode fazer é dizer que entende, que não faz ideia de como eu me sinto, mas que vai estar aqui pra me ajudar. Sinto que faz mais diferença a presença voluntária, colocada a nossa disposicão sem imposições, do que uma série de sentenças atiradas na gente. Apesar da dor de perder alguém, apesar da dor de um término, ofender quem ainda amamos não ajuda. Pode parecer que menosprezar e concentrar todo o nosso ódio na pessoa ajuda, mas é mentira. É só uma forma de tentar ferir de diferentes formas quem nos feriu.
Luto é um processo, e processo nenhum acontece de uma hora pra outra. As mudanças, a reformulação da vida, o entendimento de quem a gente é… tudo isso leva um tempo. Quanto tempo? Eu não sei, pra mim é um tempo, pra você pode ser outro. E pessoa nenhuma leva o mesmo tempo pra ser esquecida ou apagada. Mas o que sei é que nós precisamos desse espaço no escuro, dessa liberdade de abraçar a dor e sentir tudo sem desistir. É feito dreno que bota tudo pra fora. Vai arder enquanto sai, talvez até mais do que deveria, mas é pra evitar que transborde um dia. É pra evitar que criemos uma mágoa cativa dentro do peito e isso prejudique mais tarde.
Aos meus amigos que nunca entenderam isso, eu explico de novo e digo que é simples: me deixem com a minha dor. Ninguém sabe lidar com ela melhor que eu. Vocês não podem fazer nada, só eu posso. Ainda assim, se quiserem ajudar, estejam por perto, mas não me invadam. Não me obriguem a nada, não acendam a luz do meu quarto sem que eu esteja preparado. Queima os olhos. Embaça a vista. Deixa a gente tonto.
Pode parecer loucura, mas eu sei nadar. Me deixem à deriva.
Só me salvem caso eu esteja afundando, me afogando de vez.
Todo mundo precisa passar por um naufrágio pra perceber que a gente geralmente consegue se salvar.
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