Ele não é mais seu


[Você pode ler este texto ao som de Black Hole Sun]

Ele não é mais meu. Já foi, eu sei que já foi quando eu ouvia os ganidos, os urros, tudo que ele dizia sem precisar formular frase. Agora já não é mais.

Ele já foi e eu fico. Porque a gente sabe que ele não é mais nosso homem quando não é com o nosso nome que ele vibra, não é sobre a gente que ele quer ouvir. Ele já foi e que horas ele volta, moça? Não volta. Pode botar a mesa pra uma pessoa só.

Ele era seu homem e, de uma hora pra outra, deixou de ser. Deixou de mencionar o sobrenome nas consultas médicas, deixou de falar mal da gente no barzinho, deixou de contar pras namoradas dos amigos que a gente também fazia aquilo. E não teve mais churrasco de domingo nem truco na casa do João. Nem a cerveja de quinta no Diogo. Nem o chá do bebê do Murilo. Quer dizer, até teve, mas só pra ele.

Ele não é mais meu homem. “Meu homem”, tem uma força absurda quando a gente fala essa frase, não é? Dá a sensação exata de possuir, de estar com ele, de estar dentro dele, como se nada pudesse tirá-lo de ti. Meu homem que agora é teu homem. Ou pior, é o homem dela. O homem que ela também chama de meu e sente uma posse terrível que vai ser substituída por vazio no momento exato em que ele for de outra. E talvez eu nem deva ter raiva dela, mas chamá-la prum café. Uma hora todas passamos por isso, e eles também. O problema é que eles não compreendem e não têm consideração pelos outros. A gente tem.

Ele já foi meu e é muito difícil falar pra manicure, pra dona do salão, pra avó da amiga de Búzios, pra tia do vizinho e até pra sogra que ele não é mais meu. É tudo sobre a falta dele, porque ele me acostumou a tê-lo e depois, quando vi, eu já não tinha mais. Veja bem, eu não quero que você sinta piedade de mim, eu não preciso disso, não vivo às ruínas. Mania chata de acharem que a gente tá devastada, acabada, dilacerada e com o coração partido só porque ele foi embora. Nada, de coração partido a gente até tá, mas vida que segue. Vida sempre segue, empurra a gente, obriga a seguir. No mundo de hoje, se a gente fica, a gente come poeira. E eu sou alérgica, não cairia bem com a cara no chão, a rinite acabaria comigo em dois tempos.

Ele já foi e será que eu posso chorar agora? Não choro na frente dele, de jeito nenhum. Tenho pavor de deixar que ele me veja assim, aos trapos, porque ele vai achar que eu sempre fui assim, um trapo, e que vou ficar assim pra sempre. Me conheço bem a ponto de dizer que agora ele não é mais meu, como se tivessem arrancado alguma coisa que eu amava tanto de mim, mas n’outra hora passa. Passa porque se ele não é mais meu, uma hora eu não serei mais dele. Não serei na casa nem na cama nem em lugar nenhum. Um dia outro será meu e eu serei dele. Digo, de outro, não dele, droga. Ele foi e fechou a porta, mas antes me disse que o maior problema é ser feliz demais sozinho e não enxergar quão miserável o outro era por baixo do edredom. Não entendi bem, mas acho que ele era solitário e infeliz quando era meu, por isso resolveu não ser. Justo, bem justo, eu faria o mesmo, eu iria atrás de algo ou alguém que me fizesse feliz, independente do que tivesse que deixar pra trás. E o pior de tudo é entender e só conseguir desejar que ele encontre e se encontre e seja dela como um dia já foi meu. E que ela seja dele também, porque se não for, ele vai ter me deixado em vão, então prefiro que seja.

Ele não é mais meu, ele não é mais seu homem. Ele não é, mas já foi. Já foi.

E sabe qual é o problema? É que enquanto ele não é mais meu, enquanto ele vai, eu não posso dizer o mesmo. Eu fico aqui sentada na sala esperando anoitecer, tentando me convencer que um dia eu não vou ser mais dele também. Porque o que mais dói agora é saber que, sim, eu sou. Eu ainda sou dele.

bovonew

*Para fins de direitos autorais, declaro que as imagens utilizadas neste post não pertencem ao blog. Qualquer problema ou reclamação quanto aos direitos de imagem podem ser feitas diretamente com nosso contato. Atenderemos prontamente.

Comentários