[Você pode ler este texto ao som de Flesh and Bone]
O café arrumado na mesa pra dois, metade da mesa, com duas xícaras de cores diferentes e o cheiro de pão de queijo assando no forno tem que ser com você. Se não for eu tenho azia, meu corpo estanca, eu esqueço de colocar adoçante e só sinto o amargo, o amargo, o contrário do que eu sinto. E é por isso que tem que ser com você.
Os lençóis pendurados no varal lá de trás de casa e a ventania, corre que tá chovendo, amor! Corro, tu corre também e, de repente, é um labirinto esvoaçante. Você se esconde, eu te encontro, encontra? Tento, porque faz tempo que procuro e não te acho, onde você esteve perdida? Me diz que eu vou agora mesmo e te encontro. Não é aqui nos meus lençóis.
A volta do trabalho faz a minha cabeça encostar no vidro no ônibus ou do carro, depende se é dia de rodízio, e eu balanço junto com a velocidade dele. Balanço e me lembro de tanta coisa, me lembro de borrar o teu batom com as mãos e dizer que é laranja, e eu sou vinho. Duas taças pra nós dois? Não, só tem uma. Então me bebe, amor.
Se não for com você então não é pra ser. Nunca foi, tá escrito aqui, em algum lugar da rua, em algum lugar rabiscado de giz que a chuva não apaga. Tá escrito no meu peito e no teu feito tatuagem, porque a gente se encontrou uma vez e não me importa se você não tá mais aqui, porque vai ser com você. Vai ser com você aqui ou nunca mais, vai ser com você enquanto eu puder me lembrar de cada parte da casa com você. E se não for, vai ter que ser de outro jeito, porque todos os outros jeitos eram seus, eram com você. Antes mesmo de terem te arrancado de mim.
O vestido empoeirado no quarto e o frio que faz aqui em casa não são culpa sua, deixei a janela aberta pra olhar melhor a rua e ver as luzes dos carros. Se eu tiro os óculos eu vejo em borrões, e foi assim com você, não foi? Um borrão, umas luzes de carros, não te ligo mais, não tem como. Foi na chuva e você foi, meus ossos quebraram na hora, amor, eu derreti. Deitei nos lençóis por dias, não tinha café arrumado na mesa que desse conta. A ventania chegava e eu não corria pra guardar os lençóis porque não tinha como amassá-los sem você.
Até que eu entendi que todo o nosso ritual tem que ser com você, e se não for não é você. Se um dia chegar a ser, também não vai ser igual. Porque cada parte daqui é você e eu, eu também sou você. Eu não sou mais abrigo, meu peito não é mais porto seguro. Porque pra ser assim, pelo menos agora, tem que ser com boa noite, boa vida, eu te amo, eu também. E pra ser assim só pode ser você.
Mas não é. Ainda não é.
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