Dê o play e escute o texto sendo interpretado pela Olivia Dias.
(Por Daniel Bovolento)
Eu não me importo se era junho ou julho, só sei que o seu cabelo era enrolado e caía na testa. Você tentava soprar e embaçava os óculos. Nublava tudo, mas eu ainda te via.
Não me importo se eu usava capa de chuva ou se escorreguei na esquina da quinta com a dois-três-oito, all star sempre derrapa, cê sabe como é. Eu caí de bunda e molhei a calça. Você riu e eu fiquei brava, mas tão brava, que te pedi pra segurar as coisas pra eu entrar no shopping e consertar o estrago. Por mais escuras que estivessem as nuvens, o tempo não fechou.
Foi aí que caiu o mundo lá fora, e eu reparei que você tinha sardas. Senti frio e você me deu o seu casaco. Como a gente faz quando descobre alguém que a gente não conhece dentro de um conhecido? Eu tava redescobrindo você ou te lançando aquele olhar, aquele que mostra alguma coisa diferente. E então você me puxou pra sair na chuva.
Nota: era um shopping, numa terça-feira, a gente tinha acabado de sair da faculdade e eu tava de vestido. Correr pelas poças ia fazer a minha perna virar uma mistura de lama e água de rua, tirando os livros que tavam na bolsa, tirando a previsão de gripe. Você era mais alto que eu e mais rápido, e os seus cachos iam cair todos na sua cara e nos seus óculos, iam tapar a sua visão. Mas eu fui.
Tem um momento em que tudo muda. E foi no momento em que eu tropecei numa lata de lixo tombada e ia cair de cara numa daquelas poças imundas enquanto corria pra fugir da chuva. Teve um momento em que eu não sabia se iria conseguir segurar a bolsa, se morreria sufocada com o capuz do seu casaco, se o tombo iria me quebrar o nariz ou se eu chegaria em casa sem uma pneumonia.
Foi na hora em que você me segurou e eu fui contra o seu corpo. Na hora em que a minha mão derrapou e encaixou na sua. Na hora em que dois carros buzinaram e a gente não saiu da frente. Foi ali, no meio da chuva, que eu reparei em como você é bonito sem óculos e em como o meu corpo se encaixa no teu. Foi ali que eu reparei no abraço, no rosto molhado, nos cachos caindo em caracóis pela testa e no sorriso desconcertado. Foi aí que eu vi você.
Eu não me importo se era junho ou julho, só sei que o seu cabelo era enrolado e caía na testa. Você tentava soprar e embaçava os óculos. Chovia muito, mas eu ainda te beijei.
Mesmo com o tempo fechado, eu te via. E num céu cheio de estrelas eu encontrei você.
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