O segredo dos seus olhos


[Você pode ler este texto ao som de No Recreio]

Acho que nunca te contei isso, mas aquele dia começou com a emoção costumeira de um sábado qualquer, ou seja, uma leseira do caramba. Era um misto de preguiça e clichê esperançoso de que adiantaria esperar algo. Algum fulano me convidou me chamou pra passar a tarde na piscina da casa dele. Pensei em negar, mas pela amizade acabei topando. Lembro-me que o dia estava ensolarado e a água azul-gelada de uma piscina parecia bem convidativa. Cheguei, cumprimentei todo mundo e estava caminhando em direção à piscina com toda minha despreocupação, até o momento em que você, moço, sem saber, me faz esquecer o compasso e quase caí.

Já faz um tempo que não ando por lá, mas lembro de que lá havia um caminho de pedras que dava numa espécie de deck. E nele tinha um balcão, em que você, que naquele instante parecia dono dos meus olhos, apoiava os cotovelos e descansava o queixo em uma das mãos. Não tenho certeza, mas acho que vestia uma camiseta branca, um short jeans e calçava chinelos de dedo. O que causou toda a cena foram seus óculos escuros. A sua pele clara contrastava com seus cabelos negros e você me olhou com um sorriso cativante de lábios avermelhados. Eu não esperava a presença de alguém desconhecido, te saudei com um ar surpreso, mas continuei puxando assunto na intenção de te aconchegar ao grupo. (Mentira. Eu estava mesmo era interessada, usei essa desculpa pra parecer difícil). Você, muito educado, se pôs a responder e a corresponder às minhas palavras.

No filme que se passava na minha cabeça, essa cena estava em câmera lenta. Você estava de cabeça baixa, com meio-sorriso por algo que eu tinha falado, um braço ainda apoiado no balcão e o outro que se dedicou delicadamente a tirar aqueles óculos. E era exatamente ali que estava o segredo. O segredo dos teus olhos. Eu fixei meu olhar neles e de alguma forma eles me mostravam algo que não sei descrever, mas que me prendiam e me sorviam.

Eles eram de um tom de amarelo-paralisante.

A cena inteira agora se voltava para aqueles olhos. Parecia que tudo favorecia. Aquela piscina, aquele sol intenso e aquele reflexo. Devo ter suspirado umas duas ou três vezes. O pessoal deve ter me achado meio estranha ou retardada, mas me saí bem com a desculpa da asma depois. Aquele amarelo tinha uma profundidade e uma pequena amostra de que eu iria me perder naquela imensidão.

Nem preciso falar que paralisei e fiquei sem qualquer reação, né?! Pois é. Foi assim a primeira vez que o meu olhar se perdeu no seu. Foi a primeira vez que desejei não sair de dentro dele. Foi a primeira vez que te olhei no mais profundo que consegui. E por fim, a primeira vez que eu desejei poder continuar olhando para aqueles olhos, praquele cabelo e desejei poder ser a razão daquele meio-sorriso.

Tantos anos depois, eu ainda tenho o prazer de estar aqui e te contar isso, posso te olhar e me ver no teu sorriso e, feliz, posso te dizer o quanto amo ainda poder contemplar o amarelo dos teus olhos.

CLARICE

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