[Você pode ler este texto ao som de All I Want – Kodaline]
Seu velho vício. Caminha visivelmente e passa por você como se não enxergasse nada. Como se você fosse o tal fantasma enquanto ele assombra. Você sabe que faz mal e deixa, vai deixando, vai varrendo pra baixo do tapete até que começa a incomodar. Incomoda tanto que de bola de neve à avalanche, vira uma corda no pescoço. No seu, é claro. Você sufoca, pensa em como escapar e espera pelo chute de misericórdia na cadeira: não aguenta mais sofrer, espera pela morte daquele amor todo que virou fardo. E deixa, vai deixando, sem perceber que a parcela ativa da culpa não é só do outro. Você deixou que fosse assim.
Digo porque é mais fácil se desfazer da culpa e venerar um papel de vítima. Digo isso porque é fácil constatar que os seus amigos têm as piores versões do outro – um sanguessuga imoral que rouba a sua vida enquanto você padece na incapacidade de se desvencilhar, justificada pela dependência sentimental dele. Você não depende dele, e nem depende dessa coisa machucada que foi se tornando o monstro escondido no armário. Isso só existe porque você, como bem lembro no início do texto, porque você deixou. A permissão é importante nesses casos. Ninguém faz mal à gente sem permissão pra entrar em casa, não no nível sentimental.
Não deixe, mas também não se prive. Não se esconda e nem evite construir relações futuras por causa de uma única pessoa. O ato de privação aqui pedido é para com o outro. É tão fácil perceber quando o outro se torna âncora em vez de leme. Tão fácil ver numa balança que a parte ruim é maior que a parte boa (se é que essa existe) e você ainda permite que ele avance e fique ali. Deixe-me contar uma coisa: pessoas nocivas são parasitárias. Se alimentam da gente quando a gente não tem cuidado. Quando a gente se presta a aceitar um amor que não existe só pra tentar calar a solidão com mordaça frouxa. Quando a gente não percebe que a balança ficou desfavorável, ainda que não entendamos nada sobre o signo de libra. Quando as coisas desandam e a gente tenta argumentar com o espelho, tentando desesperadamente justificar o porquê de permitirmos que o outro fique quando tudo – e até mesmo o sentimento que ele nos causa – indica que o melhor e mais saudável é deixá-lo ir. Amor, repito, não é base única de nenhuma relação. E amor, quando usado pra mal, faz com que a gente entre em desvantagem. Numa desvantagem única que não alerta contra possíveis pessoas maliciosas que vão usar desse amor pra ter algum abrigo e alimentação num ciclo parasitário.
No fundo você não precisa nem olhar bem fundo pra ver que te faz mal. Que é uma daquelas relações que só existem porque “você deixa”. Uma daquelas coisas estáticas que não se justifica mais e encontra apoio frouxo e desesperado na primeira justificava pescada do fundo do mar. Você deixa que alguém faça mal a você e que te estacione e ainda se pergunta por que sofre e é infeliz? Longe de tentar jogar a culpa toda em cima de você, afinal de contas, a gente sempre espera que o outro seja honesto e corresponda da melhor forma possível tudo o que a gente deposita sobre ele. Mas, em casos como esse, você colabora pra uma vida mais ordinária. No caso, é a sua vida. A vida de alguém que deveria estar vivendo uma daquelas aventuras sentimentais fantásticas que faz o barco tremer e dá uns sustos, mas não o põe à deriva e anuncia naufrágio sem se preocupar com a tripulação.