Você não deveria fazer isso com ela.


[audio http://dl.dropbox.com/u/104739227/Asa-The%20Way%20I%20Feel.mp3 |titles=”Asa – The Way I Feel”]

Permita que eu intervenha, rapaz. Vou pausar a cena do filme e dialogar um pouco com o roteirista sobre o que deveria acontecer a seguir.

Não é que você tenha se comportado mal, nem nada disso. Faz bem em trazer flores pra ela num dia qualquer. Ainda mais quando o presente não tem motivo nem carga de culpa impregnada no perfume. Faz bem em atiçar a curiosidade dela quando a agarra firme num abraço quando vão dormir. Diria até que você tem alguma graduação em Novos Românticos e tudo mais. Mas acho que você vai pecar em breve. Na próxima cena. E vai cometer o erro que todos os homens medianos cometem.

Ela vai bater a porta, veja bem. O movimento dela sugere que você a agrediu intimamente e ela já pegou o casaco no sofá. Gritou com você porque chorar demonstraria fraqueza. E ela sente um misto de raiva e decepção. Ela esperava o descaso de qualquer um. Menos de você. Caso não saiba, tem um maço de cigarros novos na jaqueta. Ela fuma quando as coisas dão errado, e pretende voltar com o maço vazio e com o gosto de gin tônica na boca. Se voltar ainda hoje.

Você devia ter feito como alguns homens melhores fazem. Selecione os momentos e faça pausas antes de falar qualquer coisa que seja forte demais pra ela. Que a ataque diretamente. Que a deixe sem os resquícios de vocabulário que ela tanto sente orgulho de dizer que tem. Não estou dizendo para você guardar a opinião para si mesmo nem ser um desses pangarés que ouvem tudo e consentem tudo. Não. Só peço que tenha mais delicadeza quando for se dirigir a ela num momento como aquele. Ela estava nua, sem proteção nenhuma na sua cama. Uma mulher despida para o sexo não apresenta barreiras. E ela nem pensa nisso, pra dizer a verdade. Bem ali, enquanto ela deixa uma perna por baixo do lençol e o corpo inteiro de fora, com cada pelo arrepiado pelo vento que entra no seu quarto, com a cabeça debruçada no seu peito e brinca com os dedos no seu corpo. Ali ela é uma fêmea na natureza selvagem que pensa conhecer. E você pode acabar transformando essa mulher numa presa fácil se quiser tratá-la com uma malícia pervertida (no sentido sentimental).

Não importa muito o que você disser agora. E nem vou perder muito tempo relembrando isso e nem falando sobre como gostei da decoração da sua sala e dos efeitos de fotografia, dos ângulos e de tudo o mais que mostrou como a mobília antiga combina com os quadros nas paredes. O seu LP tocava algo do The Police e, mesmo assim, você ainda não entende nada sobre sensibilidade. Seria bom se você oferecesse a ela um pouco do baseado que fumou quando ela foi ao banheiro. Ao invés disso, você preferiu não compartilhar mais nada com ela e lançar aquele olhar. Ela entende de olhares. Todas elas entendem, apesar de não dizerem nada de primeira. Ela entendeu que você não a queria ali – mesmo que fosse por causa do cansaço ou do medo de se apaixonar de vez por ela. E daqui a pouco ela segue com a mão na maçaneta e a sua cueca de histórias em quadrinhos não vai te ajudar em nada. Ela vai girar a porta e eu não entendo como todas as observações que fiz até agora não fizeram você tomar a decisão correta sobre o que fazer a seguir.

O problema é que ela vai sair e você nem vai pedir que ela fique. Isso é algo irreparável. Como você acha que uma mulher se sente quando ignoram até a sua falta? Como se a falta dela fosse descartável ou invisível. Como se ela pudesse ir embora como se tivesse sido paga pelo serviço e nada mais? Em respeito a ela, você deveria ter pedido que ela ficasse. O pior é que eu sei que você vai deixá-la ir – porque já vi essa cena centenas de vezes. Ah, rapaz, não deixe que ela saia por aquela porta sem ir atrás dela. Mulher sente o seu valor nessas horas e deixar de impedi-la é como se abrisse a porta e chamasse o táxi. Covardia ou só uma tática pra se livrar mais rápido. E nem adianta jogar a culpa no baseado.

Você vai perder a moça e o máximo que posso fazer é pausar a cena e oferecer esses conselhos. O resto é por sua conta. Você sabia desde o início que não deveria fazer isso com ela. E se, mesmo por teimosia, você persistir no erro, volte pra sala e coloque o vinil do The Police pra tocar. Ouça com atenção e veja se aprende alguma coisa sobre sensibilidade. Essa não vai ser nem a primeira e nem a última vez que você vai precisar usar dela pra alguma coisa.

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