[Você por ler este texto ao som de Equalize – Pitty]
Cê sabe que não gosto de fones de ouvido por sua causa? Que um dia desses você botou um disco e me chamou pra ouvir a tua música favorita com os braços enrolados em mim. Pensei em te pedir pra desatar de primeira. Era uma confusão danada de sentimentos que dá na gente quando alguma coisa nova, nunca sentida antes, nunca apertada como tava o meu peito. Me sentia desconfortável e nem conseguia prestar atenção na letra. Suava frio. Abraço teu tinha um quê de intimidade que eu não tive nem quando tava jogado numa cama sem lençol, do lado de um nome que não me lembro.
Sabe que eu acho brega o nosso tratamento informal, mas me assusto quando você chama o meu nome porque parece bronca? Mô, chega mais que o meu peito é teu pra não passar mais frio. A gente é brega e toda intimidade parece feia, parece brega porque recusa espaço entre nós dois e vê de perto. Meu olho vira uma lupa e dá pra ver tuas rugas, cravos, cabelos brancos, pintas que eu já contei mais de uma vez e tudo mais. É tanto detalhe que no silêncio eu descubro o meu coração-de-cavalo, que cavalga alto, galopeia, bate forte no chão e quase pula do peito antes “deu” encostar na tua boca. Queria ter passado por isso só na primeira vez, mas é todo dia. Como se você mexesse n’alguma coisa cá dentro de mim, como se você me tirasse a roupa com os olhos e me injetasse adrenalina nas veias.
Fica sabendo que eu escrevi nas minhas paredes as coisas tortas que aprendi contigo e prometi, sempre prometo, que um dia eu toco a tua música favorita na gaita como uma forma de declaração. Sabe que eu pego sotaque fácil e foi mais fácil ainda aprender a dizer as tuas sílabas numa prosa distante que nem parece minha, mas é nossa. E sabe que eu nunca gostei de cinema? Falava que sim, que adoro esse filme, que tava louco pra ver, só pra me jogar no teu ombro e sentir os teus dedos num cafuné caseiro feito sob medida.
Hoje em dia o teu corpo é lar e eu já não chamo mais de casa. Não me falta abrigo e não importa estação, não importa frio ou fogo, não me importa na-di-nha porque eu sempre fui camaleão de nós dois. Hoje em dia eu te pinto nas telas, naquelas todas do meu quarto, naquelas todas que as pessoas compram de mim sem saber que são sobre você, naquilo tudo que eu retiro do mundo ao qual você me apresentou. E mesmo que eu não goste dos teus óculos modelo aviador, que eu não goste do teu perfume pra dia e prefira o teu cheio próprio de manhã, eu destaquei você nas coisas todas. No meu diário, no meu armário, nos contos e causos que eu crio e desfaço e nem questão de disfarçar eu faço. Sei do teu mundo e me afundo nele cada vez mais tentando chegar ao centro de você. Sei e não sei de tanta coisa, mas você não sabe disso. Até hoje eu não sei qual é a tua música favorita por conta dos calafrios, só me lembro da tua respiração, da minha palpitação, do nervosismo e das coisas que eu nunca esperei sentir, cê sabe?
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