Ensaio sobre ela


[Você pode ler este texto ao som de Mulher]

Ela diz que não quer – me quer por perto – na real. Tem essa coisa tímida de baixar os olhos e revelar o mundo quando fecha o sorriso. Não tá bem, dá pra ver de longe. Ela faz represa com as pálpebras, pra não deixar sair nada. Os lábios são pequenos e só Deus sabe como o contorno tracejado deles pode ser pintado de um vinho que ela sabe escolher. Não me diz o que tá acontecendo, e eu insisto. Corre as mãos pela cama tentando tatear alguma coisa que nunca esteve ao seu alcance. O peito tá pesado e a etiqueta do vestido incomoda. Dá pra ver que a alergia ainda não passou quando ela espirra ligeiramente enquanto disfarça o que sente. Ela tem disso de guardar pra se sentir sozinha, e não se aguentar. Eu queria mesmo é que ela pulasse na minha frente e tirasse tudo de vez – a roupa e as barreiras. Pra ser só minha.

Ela tem disso de medir demais as coisas. Eu sou um buraco negro, se a gente parar pra pensar. E ela tem medo. Medo de medir. Medo de pedir. De tentar dessa vez, e cair pra dentro de mim de vez. Se perder. Se encontrar alguma coisa que gostar e decidir ficar. A testa franzida não engana o receio. Eu não vou embora, morena. Dá pra confiar dessa vez, e das outras.

Não tá bem.

A mãe disse que vai embora e o pai abaixou a cabeça. O irmão tá na recuperação e ela acha que ele não passa de ano dessa vez. Ela perdeu umas aulas e não sabe mais se vai conseguir se formar. E ainda tem que trabalhar amanhã. Ela tá cansada, e ainda consegue ficar de pé. Faz parte desse time de mulheres que andam na corda bamba todos os dias – de salto. Perto disso, eu sou nada. Nem desafio, nem insegurança. Se esparrama pela cama e olha pro teto. Só queria sonhar mais um pouquinho, e não queria pensar. Engole ou cospe? Ela segura o choro e tudo mais porque não dá tempo de sentir isso direito. Tá faltando estrela cadente nesse quarto, mas você pode me pedir. Deita aí e dorme. Puxa um cobertor e fica aqui. Eu não gosto muito de dormir junto, mas contigo eu abraço o mundo. Passo a noite em claro pra te ver melhor. É no silêncio que a gente faz amor. E quando você acordar a gente rola na cama e faz cócegas involuntárias. Passa as unhas pelo meu cabelo e sorri pra uma foto tirada no celular. Não tem estrela no teto, mas eu tô no céu contigo. Corre os olhos e morde os lábios. Vem pra cá. Pra sempre ou até durar isso aqui que a gente tem e não tem. Mas eu fico. De buraco negro pra deixar você cair em mim. Cê tá precisando de paz. Mas deixa pra amanhã. Que hoje eu vou te fazer dormir.


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bovonew

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