Eu não trocaria muita coisa por você.


 

Eu gastei duas borrachas por dia pra tentar apagar aquela tatuagem nas costas que eu fiz com o seu nome. Não deu muito certo no final – mas antes de dar errado eu tinha certeza de que a gente dava muito certo. Mas um dia você jogou o controle da televisão no meio da minha cena preferida do filme e acabou tudo aí. Nem deu tempo de ver se o carro explodia mesmo ou se era só algum efeito pirotécnico da TV entrando em curto.

Ganhei uns dois centímetros de braço só naquele dia te ajudando a levar as caixas pra fora. Você roubou as minhas revistas de quadrinhos por alguma vingança estranha (por eu preferir você ao filme). A verdade é que você era chata… Tentou malocar alguma outra caixa escondida por baixo da blusa. “Mas nos meus bonecos da Marvel você não mexe” – então devo ter ganhado mais dois centímetros só puxando de um lado pro outro o tal boneco que você levava. Você caiu pra fora da porta e eu te dei tchau. Sabe-se lá se você bateu a cabeça ou se foi só o som dos seus ossos batendo no chão duro da calçada. Ah, bem feito.

Daí você arrumou aquele brutamontes que mal sabia ler – e bateu de carro com ele porque ele não sabia ler placas. Acho que ele entendeu que sentido invertido significava alguma coisa como curva à direita. E sempre batia no mesmo poste. E você sempre andando com o mesmo poste. Deixei de sentir pena de você depois da terceira batida e até ri quando o seu Manoel do salão me disse que uma porta só não era pior que aquele cara porque ela ainda tinha alguma utilidade. Você bateu lá em casa de novo – e o pior é que eu me esqueci de mudar a chave da porta.

Ficou por lá. Instalou acampamento na sala e prometeu mudar. Fez bolo salgado, torta com fermento demais, sucos sem gosto nenhum e todo tipo de coisa que tinha a ver com você. Será que se eu tivesse manchado o seu cabelo, você teria ido embora mais rápido? Joguei água no seu condicionador, sumi com seus absorventes e tingi todas as suas calças de branco. E você continuava ali, implorando pra voltar pra cama. Botei uma placa de “Não aturo a sua TPM mais” e você fingia que não lia – ou tinha aprendido com o tal brutamontes a como não saber ler. Disse que precisava muito de mim, mas eu não precisava de você. Então tentou roubar de novo o meu boneco.

Como uma espécie de vingança rotineira. Encontrou mais uns cem brutamontes nas ruas e pensou em ir embora com cada um deles. Pena que eles também não sabiam ler e sempre batiam num poste com você junto. Interrompida e sem ter muito pra onde ir, você voltava ferida e machucada para o único lugar em que se sentia segura. Mas, sabe… Você é chata. E dessa vez eu troquei a maçaneta a tempo de não deixar você entrar na minha sala e acampar em frente à televisão que você tinha quebrado. Tocou a campainha e me fez atender com a melhor cara de sono que eu já tive – às duas da manhã.

“Por que você é egoísta? Você não troca um sorvete, um boneco, um filme por mim!”

Mas, sabe… Você é chata. E eu não trocaria muita coisa por você. E eu não sei se foi o som dos seus ossos batendo no chão duro da calçada. Ah, bem feito.

(Inspirado em noites de Soulstripper)

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