Hoje ela vai de batom vermelho.
Numa quinta-feira ordinária, tão normal quanto às anteriores e possivelmente igual às próximas, decide contrastar o tom dourado de sua pele com um batom vermelho. Ela, que acha absurdo os nomes caricatos de produtos cosméticos, escolhe logo à revelia o queridinho do Showbiz: Lady Danger.
“Se fica bem na Rihanna, deve ficar bem em mim”, pensa – um pouco irônica, quiçá sarcástica. É tão típico seu um humor ácido, principalmente em noites como essa em que decidiu bastar-se. E enquanto observa os lábios ganharem labaredas pelo espelho, novamente se questiona como chegou aqui. Essa é uma pergunta que não sai da sua mente e que custa seu sono em certas noites. Tremendas noites de procura e mantra.
Ela pensa demais, é verdade. E carrega consigo perguntas durante anos, ainda que já tenha as respostas. Ela permanece em um labirinto dentro de sua própria cabeça correndo dos caminhos mais simples, buscando complexidades. E essa é uma das perguntas que habita debaixo dos caracóis dos seus cabelos: como eu vim parar aqui? E essa dúvida não põe à prova simplesmente as rotas de sua história. O que mais a intriga é a fragilidade de não ser capaz de poder decidir o que permanece e o que vai embora de sua vida.
Pois a verdade é uma só: não, a gente não escolhe o que vai ficar na nossa vida e nem planeja quem, com o tempo, não será nem memória em velocidade de carros numa estrada vazia. Não se arrazoa com a vida ou com o divino sobre o assunto, pois quando é tempo, se a hora chega, simplesmente a partida e o silêncio são inevitáveis. É uma viagem de autoconhecimento. É um apartamento novo. É uma carreira meteórica. É um desamor. É uma morte. É um curto período ou uma estadia longa. É um mês de novembro sob o sol dos trópicos ou uma fumaça de xícara numa tarde de Adele: a gente tem prazo de validade na vida dos outros e até a nossa própria existência é emprestada. Disso ninguém foge.
E enquanto ela incendeia suas curvas, com seus olhos metidos dentro do reflexo, se recusa aceitar que a vida não segue à risca os seus planos. E tenta afastar a hipótese de que quem vai embora de atravancar a sua jornada simplesmente não são os que merecem, mas principalmente aqueles que já esgotaram o tempo que poderiam ficar. E nem sempre o nosso corpo entende isso. Ou a nossa mente. Ou as bitucas de seus cigarros sistemáticos. Nem sempre a gente entende que existirão aqueles que só a morte leva, mas os outros que até a brisa fina há de apagar.
A boca pronta. Os cachos estrategicamente soltos para parecerem bagunçados: hoje, ela vai sair sozinha. Não sabe ainda bem ao certo para onde e isso não quer dizer que está esperando muito mais do que um café consigo. Ela-mesma: essa presença que não irá embora. A única que restou quando ele chegou. E já estava quando aquele outro foi embora. E estará quando o próximo sorrir pela primeira vez. Ela resiste e não se permite abater pelas histórias interrompidas. Tem dias em que até sente saudades de não poder ter sido, é claro. Mas em noites de batom vermelho e cachos soltos ela se lembra que o único tempo que nos sobra é o hoje-agora. E estar em paz é mais importante para ela do que estar acompanhada. E ela sorri para si mesma, porque está bonita pra caramba.
“É, esse batom ficou mais bonito em mim do que na Rihanna”.
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