[Você pode ler este texto ao som de Nicest Thing – Kate Nash]
Dá pra ver isso tudo nos dias em que você me pede pra buscar o carro na oficina e eu não atendo o telefone. A sua irritação é visível e você dá o troco quando eu mando alguma mensagem explicando que fiquei preso no trânsito e que não vou chegar pro jantar. Você tira a mesa e coloca a roupa de cama na sala pra indicar que o meu lugar essa noite é ali. E eu desarmo o despertador de propósito. Só de raiva. Você perde o horário e me chama de infantil. A dor nas costas agradece enquanto acordo e tenho que comprar o café na rua porque você saiu atrasada.
Vez ou outra dá pra ver isso quando eu lembro de ser romântico. No caminho de volta pra casa, eu compro umas rosas e chego de surpresa. Você fica corada de um jeito surpreso. E me manda ficar quieto durante a sua novela. E a gente pede pizza pra celebrar o dia comum de hoje. O seu pijama é meio furadinho e a minha calça não tem nem mais o elástico. Mas você me aceita de volta na cama e a gente dispensa o aquecedor essa noite. E na manhã seguinte a gente já começa o nosso jogo de gato e rato. Paga a conta. Deixa as chaves. Almoço com meus pais às 13h. Não vai dar. Você é sempre egoísta e nunca pode. Depois eu dou um jeito. Não precisa, eu vou sozinha. Tchau. Vai logo.
Dá pra ver um pouco disso quando eu peço desculpas ou quando eu te troco pelo futebol nas quartas e nos domingos. Você me bate quando eu digo que vou usar a TV do quarto pro vídeo game. Te faço perder a novela e você revida chorando de ódio. Bate uma culpa e eu sou mesmo meio estúpido como você falou. Vou dormir na sala de novo essa semana, mas dessa vez eu vou por vontade própria. Você vem de madrugada e deita no mesmo sofá que eu. Só que a dor na coluna da manhã seguinte vai ser menos fria desse jeito. Não vai dirigir o meu carro hoje. Você é machista demais. Aniversário dos meus avós no sábado. Não dá, tenho desfile. Você nunca pensa em mim. Depois a gente se fala.
Dá pra perceber de longe quando a sua secretária me atende e me chama pelo seu sobrenome. A gente não tem aliança de ouro nos dedos, mas todo mundo na rua percebe. O cara do café da esquina sempre pergunta sobre você e eu digo que depende do tempo. Você diz que o meu humor é esquentadinho pra menina da depilação. Ela mesma já me chamou pelo apelido quando ligou aqui pra casa. Você mandou a faxineira jogar meus gibis fora e eu bati a porta com muita força. Era a sua TPM e você me chamou de grosso. Mas você é meio estúpida assim como eu digo mesmo. Até aquela sua amiga de escola percebe quando vê a gente uma vez por ano. Minha mãe percebe tanto que já liga direto pra você pra trocar receitas. Embora eu ache que vocês passam a maior do parte reclamando de mim e do espaço que a minha coleção de carrinhos ocupa no quarto. Você me chuta de noite e eu quase caio da cama. É meio egoísta da sua parte dormir com o cobertor todinho pra você. E eu sinto cócegas nos pés, poxa. Não vale brincar assim porque eu vou revidar com cócegas na sua barriga. E daí a gente ri às duas da manhã e tenta parar de rir mesmo com o vizinho do andar de cima mandando a gente calar a boca. Mas até ele deve perceber.
Seria redundante demais ficar jogando com palavras. Então deixa isso pra lá. Dá pra ver de longe que a gente não precisa dizer “eu te amo”.