Sobre funerais, perdas e a primeira vez de um homem.


O que acontece é que tenho estado numa fase meio sem saber o que fazer da vida, sem saber que direção seguir. Tudo parece estar no seu devido lugar, até aquele quadro que sempre caía da parede quando eu abria a porta do quarto. Mas a verdade é que eu tenho tentado enxergar em mim algumas mudanças pelas quais passei depois de tantos anos. Aquelas mudanças que definem se eu me tornei quem eu não queria me tornar ou se completei com sucesso todos os objetivos planejados.

Eu não gosto muito de velórios e funerais. Acho que ninguém gosta, pra dizer a verdade. Não, isso não é uma mudança que percebi em mim, porque nunca gostei de funerais. Mas hoje eu vi um filme daqueles feitos pra menininha chorar. Confesso que gosta do gênero romântico-trágico, mas tem que ter uma daquelas boas tragédias que fazem as interpretações ruins serem algo secundário no filme. E daí que me chega à cena do funeral de uma personagem não muito importante, mas que era quem dava alicerce pra um dos protagonistas. O guri desabou. Desabou de todas as formas possíveis. Desabou sobre a mesa, sobre a cama, sobre as alegrias de uma promoção que ele tanto esperava, desabou sobre a vida.

E daí? E daí que eu me vi pensando exatamente como aquele protagonista. O que eu faria no lugar dele? E refleti sobre como venho lidando com as perdas desde sempre. As minhas perdas sempre foram muito sentidas, mas o lema de que seguir a vida era o mais importante sempre foi lei. Vi que eu nunca parei para sentir o que perdi, nunca desabei de uma vez só. Tudo bem que parte disso se deve à minha bipolaridade emocional, mas aquele desconforto e angústia que eu via na televisão não me deixavam parar de pensar.

Algumas perdas me abateram, me fizeram perder o chão por 30 minutos e depois voltar a rir do mundo. Já me peguei escrevendo pra alguém que se foi, ouvindo uma música que já não fazia mais sentido – algumas delas me surpreenderam. O modo com que lidei com as perdas num passado não tão distante e como lido com elas nos dias de hoje é que me fizeram ver a tal mudança que sinaliza o que estou me tornando. É extremamente assustador ver que não dou valor à perda de um rabisco de algum amigo ou daquela carta de amor de infância. Não ligo mais se perco meu filme favorito enquanto este passa como se esperasse por mim. Perder um amor é tratado como se não tivesse sido amor. Essa indulgência que criei na forma de tratar minhas perdas me faz pensar se esse é o jeito realmente certo de lidar com elas.

Por um lado, me torno livre da culpa e da saudade. Por outro, me torno insensível e futurista demais. E isso me faz sentir falta de mim mesmo. Me faz sentir a perda daquele guri de 10 anos de idade que ficava inconsolável por qualquer mínima perda que tenha ocorrido. Fosse por aquele carrinho dourado ou aquela namoradinha que nunca deu atenção. A gente cresce e aprende que algumas coisas são perdidas pelo caminho. Mas não admitir as perdas e não se deixar tomar pelo luto, mesmo que momentâneo, é a maior perda possível. E eu me deixei levar por aquela triste trama que se desenrolava na TV – o que só me fez perceber o porquê de eu não gostar de funerais. Eles são a constatação mais forte de uma perda. Uma pena não fazermos funerais pra cada perda que temos.

E, antes de terminar o filme, tive um indício de que algumas mudanças são realmente positivas. Me senti perdendo o chão como aquele guri na tela. E chorei feito uma menininha até o final do filme pela primeira vez na minha vida.

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