O que a gente se tornou


[Você pode ler este texto ao som de Moça, Sorria]

Ficou parado ali, no canto da mesa de centro da sala, o tal livro do Fernando Pessoa que você me comentou uma vez. Disse que se sentia quase esfarelada em cada uma das páginas, formando cada uma das pequenas pigmentações das letras nas folhas. Me sugeriu ler com um copo da água ao alcance das mãos, para digerir um pouco melhor o que falava sobre angústia.

Decidi que ainda não.

De vez em quando passamos por longos períodos caminhando em um lugar mal iluminado até nos encontrarmos na vida outra vez. Entre um sorriso e outro, nenhum deles como o teu, eu escolhi me deixar um pouco em que cada dos versos que li pelo trajeto. Um pouco de angústia aqui, uma dose mal dosada de desapego ali, uma injeção de positividade na veia logo depois de uma curva qualquer. Até me sentir pronto outra vez para encontrar alguém.

Em uma noite de domingo, ainda com a cabeça girando pelas garrafas de vinho do jantar, percebi alguém que falava de literatura como se fosse a coisa mais importante do mundo. Sem conhecer o som da tua voz e com cada um dos detalhes que fazem parte de mim estampados na frente dos olhos, talvez fosse hora. Não reconheci teus olhos de primeira, mas não demorou tanto assim.

Me chamou para falar das letras, comentou das coisas que amava. Já não parecia tão parecida assim comigo, já não carregava os mesmos traços. Senti incomodo. Pulga atrás da orelha. Angústia chata revirando as coisas dentro da barriga. Um vento estranho que soprava dos pés a cabeça e me fez tremer por um segundo. Nem fazia frio.

Com o corpo inteiro gelado de nervoso, me deixei abrir o peito para te dizer que as coisas aqui dentro são assim. Passei por isso, guardei uma ou outra ferida sobre aquilo, mas tenho levado as coisas bem. Peguei apego pelo martírio no meio do caminho, mas aprendi a enxergar as tristezas com um pouco mais amor depois de tudo.

Esperei para ver se passava, mas dois meses depois ainda sinto o mesmo suspiro atravessar o meu corpo com adrenalina em toda vez que digo que te amo. Mesmo que os teus gostos já não tenham a ver com os meus como pareciam no início.

E deixei ali, parado no canto no canto da mesa, o livro do Pessoa que você me disse que trazia uma visão bonita da tristeza. Tudo porque eu já não entenderia. Não com você me fazendo feliz todos os dias.

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