Tem dias que acorda tão ela mesma, que se assusta consigo. Levanta arrastada, forçando o pensamento a ser positivo e expulsando a preguiça que corre nas veias. A primeira pessoa que vê, ao acordar, é ela. Encara-se num espelho de dois metros de altura: rosto amassado, cheiro de sono, pele limpinha. Pés de galinha quando os olhos sorriem. Pijama. Amanhece mais dentro de si: sendo o que for, amando como quer, vivendo como deseja – sem o ensejo de querer agradar ninguém, salvo à si. É um tanto raro isso: acordar com olhos sorrindo.
Dança enquanto a rotina desenrola. Arruma seus fios de cabelo, emoldurando-lhe a face. Pinta o rosto, sem querer se esconder de ninguém: a cor só ressalta os traços que o sono desenhou durante a noite. Não há corretivo que expulse os sonhos dos olhos. Não há máscara que esconda o que a noite esculpiu. Ela rodopia em frente ao espelho, feito bailarina descoordenada, sobre suas sapatilhas pretas. O azul tornou-se fiel companheiro de todos os dias. O relógio tiquetaqueia com a pressa de uma criança frente à um brinquedo muito colorido. O café esquenta o dia já quente. E ela sorri para si, vendo-a tão ela mesma, que se assusta consigo.
Risca o asfalto, olhando a volta. Olhando em volta. Olhando o tudo e o nada. Atualiza-se dos assuntos banais. Alimenta o vício perante Candy Crush. Admira o motorista. Abre o quebra-sol e se olha, e se ajeita e pinta a boca de cor de rosa. E está tão ela mesma, que se assusta consigo. Está tão ela mesma, que tem o riso nos olhos. Está tão ela mesma, que o relógio não assusta. Tão sendo ela e só ela e do jeito dela, que o mundo e os estereótipos e a sociedade, pouco importam.
Ela acorda tão ela mesma, que se assusta consigo: e se basta.
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