Bateu um vento frio assim que dobrei a esquina, saindo do shopping. Pensei que pudesse ser alguma corrente do atlântico louca motivado por um fenômeno também louco com nome em espanhol que influenciava o ciclo de alguma coisa que não sabia bem o que era, afinal era verão e, ainda que à noite, deveria estar bem quente. “O que está acontecendo? O mundo está ao contrário e ninguém reparou”, pensei, cantarolando a música de Nando Reis.
Resolvi acender um cigarro, talvez na tentativa de me manter quente na minha caminhada por aquelas ruas escuras e frias. Talvez numa tentativa frustrada de aquecer aquele encontro gélido, quase mórbido, que tinha acabado de terminar. E que bom que terminou. Nunca um jantar havido sido tão longo. Entre o prato principal e a sobremesa me existiu uma vontade súbita de morrer, sobretudo de tédio. As pessoas andam tão vazias, vocês percebem? Ou talvez simplesmente não estejam cheias da nossa bebida preferida. Neste caso, eu prefiro tequila: rápidas, eficientes e quente. Aí me parece alguém que é meio água com gás, nada natural e meio metido a besta.
Andei pensando que nossas relações estão realmente líquidas. É um tempo marcado pela flexibilidade e a fragilidade toma conta de nossas relações. Abandonamos a solidez das coisas e dos nossos relacionamentos; tudo parece passível de mudança e quase não fazemos planos a longo prazo, sobretudo quando se trata de algo a dois.
Certamente já aconteceu com você. Você conhece alguém, principalmente através da internet, que aparentemente é legal, começa a conversar – isso quando começa, porque a tendência é ignorar mesmo, não manter vínculo, não mostrar interesse –, fala ‘oi tudo bem mora onde?”, se a coisa passou disso, parabéns, você está sendo eficiente, tenta mais um pouco, busca um assunto, fala daquela frase de efeito que ele colocou na descrição, ele ri, você continua, passou o primeiro dia, você manda um bom dia, ele prontamente responde, você pensa “agora vai”, e a coisa realmente continua, você ainda busca assunto, fala de teatro, cinema, música, fala da sua festa preferida, fala que o carnaval tá chegando, fala dos blocos, fala da praia, convida para a praia, “poxa, não posso, a gente marca depois”, você já se preocupa, coça a cabeça, “ih!”, mas continua, “boa noite, vou dormir”, sem boa noite, manda outro bom dia, ele responde no boa tarde, o espaço é grande, quando você vê, a coisa vai esfriando, você continua tentando, fala do tempo, fala do calor, fala de economia, fala do Trump, fala da faculdade, você manda uma poesia, mas talvez ele preferisse uma nude, a resposta não tá vindo mais, será que o aplicativo tá com problema?, você pensa. Não está, não. É só o desinteresse e a fluidez da coisa. Durar um segundo já é tempo. Às vezes em um segundo você ganha alguém, e em meio você perde. Outras vezes nunca ganhou.
Voltamos à liquidez da qual falávamos. E, por consequência, aos possíveis amores, agora perdidos pela nossa infeliz capacidade de descartar o que poderia ser concreto. São tempos difíceis para se amar. O que fica é Chico: “Futuros amantes, quiçá”.
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