Olha, eu sei que você já se acostumou com a rotina. Até me contaram que trocou cada item da decoração que eu te dei. Sim, eu sei que você fez um esforço danado para que eu fosse embora o mais rápido possível da sua cabeça. Eu achei engraçado quando nossos amigos vieram me contar que você até mudou a rota para o trabalho, assim não precisa passar em frente do Ibirapuera, que era nosso programa oficial de domingo. Parece-me que você está lidando muito bem com essa história de partida, mas sabe o que é? De vez em quando, você vai ter saudade de tudo.
É inevitável e eu não estou tentando parecer insubstituível. Desde Beyoncé, estamos todos catequizados que, hora ou outra, chega esse dia de limpar o guarda-roupa, de levar embora minha escova e acabar com as ligações diárias. Não, eu não penso que sou insubstituível, mas eu sei que Frapuccino de Caramelo era uma coisa nossa. E sei que aquele Starbucks da Haddock Lobo era um pedaço de chão que nós dois descobrimos juntos. Aquele terraço, aqueles carros passando. Eu sei que, sem querer, você vai lembrar daquele pôr-do-sol e das minhas inquietações. Quando você for à cafeteria com seu novo amor ou com seus outros amigos da faculdade, vai ser difícil pedir para colocarem seu nome no copo, porque a gente sempre colocou nome de personagens de Harry Potter. E assim como o café e o parque de domingo, a Livraria Cultura depois do expediente também era nossa; o bife à parmeggiana naquele boteco perto da casa dos seus pais era algo que aprendemos juntos a saborear; até quer saber? O Duty Free de Guarulhos cheio de presentes de última hora, que esquecemos de comprar. Tudo era tão nosso, que daria para fazer um tour guiado pela cidade só passando pelas nossas ruas favoritas.
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Só que a verdade é que eu sei: hora ou outra, você vai se apaixonar de novo e, talvez, ele seja o grande amor da sua vida. Pode ser que seja o cara que vai desistir de seus sonhos para morar com você naquele apartamento da Berrini com o qual sonhou tanto. Eu sei que não serei dono do seu coração para sempre e respeito o seu espaço de não querer nunca mais ouvir minha voz. Mas de vez em quando, você vai ter saudade de tudo.
Eu também tenho. Ando pela cidade reconhecendo as cicatrizes da nossa história, observando os beijos antigos que demos na escada rolante do metrô, as sessões de cinema à meia-noite e a nossa turnê de pães na chapa pelas padarias da cidade. Aliás, é engraçado como diversas das minhas manias são suas e é até difícil, de vez em quando, morar na pele em que habito. Sentir meu cheiro sem o seu, falar as suas gírias sem sua risada e, pior, comer salada depois da mistura, como só você e sua família italiana fazem.
Mas quer saber? Nada disso e muito menos o fato de, repentinamente, ter saudade de tudo deveria ser suficiente para mudar sua decisão de ter ido embora. Porque sim, foi o certo a ser feito. Mas, ainda assim, decisões corretas também machucam. Então, se de repente der saudade de lembrar de onde iríamos, aceite de coração aberto que fomos plenos, mas não seremos infinitos. Não fomos felizes para sempre, mas até a cidade sente falta das nossas pequenas e delirantes alegrias diárias. Mas tudo isso passa, até a saudade. O que fica é a resiliência de trocar as rotas, as vozes e as camisas listradas do guarda-roupa.