[Você pode ler este texto ao som de Pelo Interfone]
Se eu soubesse que iria terminar desse jeito, eu não teria começado isso tudo lá atrás. Quer dizer, eu sabia que acabaria. Nós sempre sabemos. Mas não esperava que fosse assim.
Eu tenho uma fixação grande por cenas de despedidas em aeroportos. Acho que é uma maneira romântica e trágica de afastar duas pessoas que não têm a escolha de ficar juntas. Esperava que com a gente fosse parecido. Você iria receber uma proposta de trabalho em Bangkok e eu iria ter que ficar no Brasil pra cuidar da minha carreira. Decidiríamos de forma madura que era hora da gente partir sem o outro. Teria choro e teria última chamada no embarque. Todos os passageiros comovidos com a nossa falta de sorte. Nada muito Shakespeariano, mas ainda assim uma tragédia íntima pra gente.
Não foi assim. Você chegou e disse que não dava mais, pagou a conta e disse que deixava as coisas na porta da minha casa. Não teve tragédia, foi uma decisão feita numa terça-feira de maio, e quem escolhe dias úteis pra terminar uma coisa grande como a gente? Eu esperava mais, eu esperava comoção, eu esperava fatalidades do destino e uma separação brusca e inesperada, mas tive um beijo na testa e um hambúrguer cheio de maionese verde como despedida.
Se eu soubesse que seria assim, não teria começado alguns dos relacionamentos que comecei. Todos acabaram por coisa cotidianas demais que ninguém transformaria em filme, música ou literatura. Uma vez me disseram que eu era impaciente demais, noutra vez eu cansei de levar bolo e terminei. O penúltimo me contou que sempre detestou tomar suco detox de manhã, e que culpa eu tenho da intolerância alheia às minhas manias? Nunca obriguei ninguém a me acompanhar, muito menos a se servir das mesmas coisas que eu. Mas isso não importa.
Na maioria dos casos, tomamos todo arrependimento como impedimento. Arrepender-se de algo é sinal óbvio de que não deveríamos ter vivido aquilo, dizem. E devo concordar em partes com a afirmação. Se eu soubesse que começos e términos mudam a gente da maneira como me mudaram, permaneceria intacta. Ficaria quietinha num cantinho cheio de algodão doce e cerveja, sem essa coisa de conhecer alguém legal, transar três vezes por semana, dar as mãos na rua e ver filmes no final de semana. Teria escolhido não conhecer ninguém nem deixar que invadissem meu mundo. O Cícero já dizia que não amaríamos mais ninguém se soubéssemos como machuca. Por outro lado, acho que eu seria uma lousa num dia em que o professor não deu aula: completamente vazia.
A gente se acostuma a reclamar e dizer o quanto o outro foi perda de tempo, o quanto nós nos desgastamos e nos doamos e perdemos anos da nossa vida para alguma coisa que iria acabar de forma medíocre. Reclamamos do quanto gastamos em restaurantes ruins e filmes péssimos que o outro escolheu, reclamamos do quanto engordamos ou emagrecemos durante os dias em que cabulamos a academia, pensamos no frio ou no calor da porra que nós sentimos com o roubo do edredom, nas dores de coluna dormindo em sofás tarde da noite, nas pílulas do dia seguinte por falta de cuidado. Acabo rindo ao enumerar esse monte de coisas que eu não teria vivido se soubesse como acabaria. Talvez, se tivesse evitado tudo isso, só teria aumentado o meu medo de passar em branco na vida, de viver como se estivesse sobrevivendo. É mais ou menos o meu medo das guerras em filmes épicos. Morro de pavor só de pensar em como seria entrar numa batalha corpo a corpo daquelas em que mil caem a tua direita, mil caem a tua esquerda – e o protagonista continua ileso como se ninguém visse o bonito paradinho ali no meio da batalha. Eu morreria de medo, mas também morreria de tédio se escolhesse ser algum tipo de princesa ou nobre que prefere ficar resguardado dentro dos castelos, assistindo à aventura das suas vidas de longe.
Se eu soubesse que seria assim, bem, eu teria escolhido nunca começar relacionamentos que foram abusivos. Aqueles que não tratam da dor de um amor perdido, de um fim rotineiro ou de algo romântico. Talvez a razão falasse mais alto e meu senso de aventura denunciasse o medo. Talvez eu abdicasse, sim, de todos os nossos começos bonitos e noites felizes. Talvez eu me esquecesse da cor dos seus olhos. Mas aí mesmo é que eu não teria uma despedida bonita de filme dramático. Se eu soubesse… bem, mas eu nunca soube.
(Para me seguir no Instagram, basta clicar aqui)
–
Hey, o meu livro “Por Onde Andam as Pessoas Interessantes?” está à venda. Se você gostou desse texto, acho que vai gostar muito do livro.
Compre o seu com desconto em um dos links abaixo:
Cultura – Saraiva – Travessa
Aproveita e já se inscreve no meu canal do Youtube porque tem muita coisa legal vindo por aí!