[Você pode ler este texto ao som de Can’t get you out of my mind]
“Que sorrisão”.
Ah, meu bem, você mal sabe, mas o motivo dele tem nome, sobrenome e apelido carinhoso entre os meus amigos. É alto, moreno, cheiroso, inteligente e sorri fácil, desse tipo bem clichê de texto meloso que faz a gente se apaixonar num piscar de olhos sem nem perceber.
Mas a vida nunca foi justa, e esse maldito bom senso me fez sufocar há tempos todos os demônios que existem dentro de mim, só pra poder continuar por perto. Num exercício diário de autocontrole, te fiz rotina em meio ao caos que minha vida sempre insistiu em ser. Alguns likes aleatórios, comentários despretensiosos, piadas ácidas e conversas corriqueiras sobre paixões compartilhadas (de animais a whisky, passando por sexo, perda de peso e trabalho) depois, a natural intimidade que nossa personalidade insistente trouxe transformou tudo isso num sofrimento agradavelmente aceitável, só pra não dizer levemente prazeroso.
O problema é que a gente sempre foi desses, que dizem verdades disfarçadas de brincadeira, achando que a razão sempre toma conta e que tudo isso que a gente tem ou sente é bom demais, impossível demais, fantasioso demais ou difícil demais pra se fazer acontecer. Só que a gente também é desses que gostam de bons desafios e sabem exatamente por quais deles valem à pena pagar pra ver.
Logo eu, tão durona e comedora de corações quebrados no café da manhã, nem percebi enquanto você disfarçadamente desmontava feito peças de lego minha barreira emocional imaginária, meu escudo tão cuidadosamente ali colocado pra não sentir mais do que deveríamos ou podíamos ser. E foi aí que a brincadeira virou coisa séria e tudo aquilo que eu havia transformado em texto bonito, música aleatória ou carinho contido virou uma incontrolável vontade de ser feliz e só.
Eu tremi feito adolescente, menino, só de pensar na possibilidade das loucuras que ainda não fizemos juntos. Sorri de cabeça baixa e olhos fechados, imaginando a intensidade do seu toque. Quase pude sentir o sabor e a temperatura do seu beijo levemente desesperado, como quem tem pressa de recuperar o tempo perdido e a ansiedade de desfrutar a primeira vez. Te encarei por uns segundos, agora sem máscaras, jogos ou sentimentos disfarçados: peguei sua mão e te puxei pra dentro do quarto. Desculpe se não te ofereci nada pra beber, é que eu tenho pressa das coisas que me fazem bem. Achei engraçado como o resto do mundo parou ali, enquanto despíamo-nos e perdíamo-nos um no outro, num misto de carícias, provocações e preliminares.
Desculpe-me se parece clichê demais, mas teve sua mão entrelaçada na minha e gemido abafado com beijo na boca enquanto você esteve entre minhas pernas. Teve a gente abraçado, grudado, suado; e liberto. Teve gozo, carinho, repetição. Teve sua mão no meu quadril, minha mão no seu ombro e você perdido entre minhas tatuagens. Depois teve a gente deitado, entrelaçado; bem cansado. Teve a gente dormindo sono leve no encaixe perfeito que eu sei sem querer que existe entre minha cabeça e seu peito, e depois teve a gente acordando com fome e sorriso largo, ao ter certeza que foi de verdade.
Sabe, eu não vou mentir: tenho muito medo. Mas tô aqui: de cara lavada, pé no chão e coração na mão, só pra dizer que de agora em diante, me nego a negar que sinto. Então, independentemente de qualquer outra coisa: obrigada.
Só obrigada por ser o endereço do meu sorriso.