[Você pode ler este texto ao som de Canto de Ossanha]
Engulo seco no canto da sala, um tanto tonta, embasbacada com seus movimentos lentos, sua boca extensa, seu pescoço longo. É uma estátua, veja! Que belo quadro você faria também. É um Boticelli em exposição – e me faltam palavras para dizer algo que não: sou, se quiser, sua ninfa. Se me permitir, sua musa. Por uma noite ou várias, quem sabe, Afrodite no seu colo. Uma frase a mais, um pedido qualquer; essas coisas me são muito caras.
Descrevo-lhe nas últimas folhas dos cadernos. Frequentemente me pego em silêncio e a minha mão, firme em volta da caneta, não se cansa de falar e falar. Quantos poemas ditos na imensidão do seu sorriso pequeno? As contas, sinceramente já perdi. Anseio, ainda assim, pela possibilidade de criar volumes de novas histórias. Um sem número de contos, quem sabe, ou meia dúzia de notas descompromissadas – quem é que pode dizer, afinal, o que nos espera nas páginas que vem? Esperar muito é não viver nada, então me basta aguardar, mãos sobre os joelhos e cabeça altiva, pela inevitabilidade dos fatos.
Inevitável, bem, este é o seu eufemismo (não foi isso que disseram naquele filme do qual você tanto gosta?). Quando irrompe pela porta escancarada, todos os movimentos que não advêm de você cessam. Os seus braços se movem num ritmo próprio, seus pés parecem não tocar o chão. É feitiçaria, talvez, esse palpitar que fica no peito depois que os nossos olhos se cruzam, ou a forma como, horas depois, eu ainda ouço o seu timbre a ecoar pela casa. Coitado daquele que cai no canto de Ossanha, dizem, não é? Não me pertencem mais os meus pensamentos.
Por amor aos seus olhos morenos e encantada pelos seus cabelos que esvoaçam, conto um segredo: têm sido suas todas as minhas palavras.