[Você pode ler este texto ao som de Who’s Gonna Save My Soul Now?]
Eu, você e boa parte das pessoas que conheço compartilhamos de uma esperança singela, quase secreta se não fosse pela parte em que é compartilhada sem que saibamos disso. É a bobeira do fim do dia quando a gente olha para os lados e torce para que, como num passe de mágica, um estúdio de telenovela seja montado às pressas antes do sinal abrir para que no outro lado da rua nós encontremos o grande amor da nossa, a tal pessoa que vai nos salvar do marasmo dessa vidinha mais ou menos que estamos levando.
Essa lenda urbana encenada no cotidiano romântico é mais comum do que você imagina. Não tem nada de errada, tirando o fato de que ela não vai acontecer. Primeiro porque a perspectiva dela é a de que você vai conhecer “alguém que vai virar seu mundo de cabeça pra baixo”. Acreditamos tanto nessa coisa que qualquer pessoa que passe e vire o nosso mundo só um pouquinho, uns 90 graus que sejam, não é o bastante. Essa pessoa não nos salva de nada, não nos salva do trabalho chato, não nos salva da falta de destino nas férias, não nos salva dos colegas pouco interessantes que compartilham de vidinhas cheias de cifrões e pequenos poderes adquiridos com (dizem eles) muito suor e tempo doado a algo que nem eles mesmos sabem por que suam. Então a gente espera quem vá nos salvar.
Depois, as circunstâncias importam demais. É claro que você dá uma olhadela pro lado no metrô pra não perder as chances, pra não jogar a toalha de vez, pra mostrar pro destino que você tá atento ao que ele tiver pra te apresentar. Confesso que deixo de ler meu livro no metrô para averiguar olhares trocados com estranhos, na esperança de que um estranho se torne conhecido e, quem sabe, me salve um dia. “Mas salvar de quê?”, cê pergunta. Ah, você sabe. Você espera que isso aconteça com você. Você acredita naquela ideia de que o amor da sua vida vai transformar tanto as coisas que até iluminação de Projac vai ter na hora do encontro. Você sabe que espera emoções de montanha russa ou, no mínimo, uma história para contar pros amigos de como você foi depois da tal pessoa. Você deseja tanto que algo forte mude essa monotonia em que a gente se enfiou que deposita toda a esperança numa figura mítica que se confunde com os seus desejos romântico. Chega uma hora em que você não quer mais um amor, você quer algum tipo de super-herói (ou super-heroína) que vai salvar você de todos os seus pecados, problemas e pudores, esses mesmos que te prendem os pés ao chão e fazem você se perguntar o que tá acontecendo com a sua vida e as pessoas interessantes no fim do dia.
Acontece todo o tempo essa coisa da gente transferir pro outro a responsabilidade de mudar a nossa vida, de fazer acontecer algo mágico que ainda não aconteceu. De acordo com as previsões, essas expectativas têm chances impressionantes de acabarem afundando junto com o Titanic. Caso você não entenda o porquê, te explico: ninguém vai mudar a gente de uma hora pra outra, muito menos quando o problema é a nossa vida. Não é um ser humano feito de carne, ossos e emoções que também tem lá seus tantos problemas que vai pegar o fardo das nossas costas e carregar pela ladeira cima. Nada disso. Ninguém vai te salvar de nada, não. No máximo, você vai entender isso antes que seja tarde demais e vai correr para esquematizar planos que te salvem, que mudem o seu dia, seus colegas chatos, suas férias sem rumo, seus hobbies obrigatórios, seus passeios com o cachorro que você queria ter e não tem, a vida que você acabou tomando pelos braços e nunca teve coragem de jogar fora aos poucos. Não vai ser outra pessoa que vai armar um circo gigante para atender às nossas visões espetacularizadas do que é amor numa novela da Globo ou num filme da Sessão da Tarde. Nada disso. Super-herói nenhum vai aparecer do nada e mudar sua vida. Essa responsabilidade é sua. Então, se você quiser, vista logo a porcaria da capa.
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