[Você pode ler este texto ao som de Budapest]
Primeiro de tudo, devo deixar claro que eu não quis. Tava quietinho aqui remexendo umas coisas dentro de mim, separando em caixas o que eu queria levar comigo e o que eu jogava fora, entediado com essa falta de gente que me movesse e, BOOM, você apareceu.
Mentira, você não apareceu. Eu já tinha te visto antes. Eu já tinha falado com você antes. Eu já tinha até te desejado antes, mas a gente não se conhecia. Até quando se conheceu, declarei que não era pra mim. Não sentia nada. Vacinado estava – sempre achamos que sabemos demais sobre nós mesmos, sem perceber quando entramos num caminho sem volta.
E foi aí que você falou dele. E foi aí que você falou desse amor todo que você sente por ele – e ele recusa. Foi aí que você tirou toda a pose de quem sabe tudo da vida pra mostrar que você ainda solta pipa, que você é um garoto com o coração na mala, sem saber pra onde ir. Foi aí que eu te olhei diferente, que eu vi os pés no chão num domingo de frio, que eu os lábios sujos de chocolate, precisando de ajuda pra achar seu lugar no mundo. Mas não é da minha ajuda que você precisa, é a dele. Não sou eu quem você quer que te escolha, é ele.
Foi ali que eu virei minha chave. Mas que bosta, eu não queria virada nenhuma de chave com você, eu já vi essa história acontecer antes. Essa coisa da gente se apaixonar por alguém que nos move, que nos remexe, que não nos separa em caixas, mas também não pode nos levar pra casa. Essa coisa da gente querer quem tá do outro lado da linha de trem, sem perceber que um vai pra uma direção e o outro vai pra outra, nunca do lado certo pra partirem juntos. Essa coisa de se apaixonar por quem fala de alguém distante que tanto se ama e que não é a gente.
E devo deixar claro que não foi minha intenção. Nunca foi minha intenção sair correndo na chuva só porque você me chamou pra assistir a sua peça nem foi minha intenção desmarcar umas boas consultas pra tomar um café com você. Não foi minha intenção passar a festa inteira te procurando e fingir que não vi quando você parou pra falar com ele e ficou. Não quis fazer nada disso e me prometi desde o momento em que me despedi de você que eu não podia, não queria, não achava possível que isso acontecesse. Mas aconteceu. E agora eu só posso continuar fingindo pra você que não é nada, enquanto continuo remexendo umas coisas dentro de mim, separando em caixas o que eu quero levar comigo e o que eu jogaria fora, ressentido pela falta de sorte por encontrar alguém que me mova, mas que não pode ser meu.
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