Ano novo, saudade antiga


Antes que o ano acabe, tem alguma coisa para me dizer? Talvez seja ou esteja tarde demais e o ano já tenha terminado, assim como nós, mas, mesmo assim, você tem alguma coisa para me dizer? Qualquer coisa, uma palavra bonita, um sentimento expressado, um amor gritado, uma saudade sufocante; um gesto, qualquer gesto, porque uma ação sua ou minha faria certamente uma grande diferença nesse ano que termina ou nesse que começa, pois eu preciso começar, recomeçar, e não queria que fosse sem você, porque assim também seria sem mim, entende? De tanto amor, pensei que minha subsistência dependesse da sua, como dependeu a minha existência, antes. Mas eu estou aqui, e você, onde está? Eu te procuro nos cantos da casa, adentro o quarto, olho para a cama, busco no sofá, na rede, que nem o vento mais balança, na cozinha preparando o jantar, na garrafa de café, no café da manhã na cama, na rosa em cima do criado mudo, no lírio, nas minhas mãos, no meu corpo já cansado, suado, nada. Você não está e está em tudo. Sua presença não está mais aqui, mas seus gestos, olhares, falas, ensinamentos, carinhos transcendem a ausência todos os dias, horas, minutos, segundos, milésimos. Você se presentifica onde não te vejo; eu te vejo onde você não mais habita. Dentro do ar invisível, incessantemente meu corpo busca o seu, como o sedente por água; porque talvez você seja a minha água, minha matéria-prima, única, essencial à existência; enquanto eu era apenas o seu fogo, momentâneo, passageiro, que queimou e ardeu naquele instante, e você (me) assoprou. Como forte ventania, eu fui afastado, jogado para longe, reduzido a quase nada, apagado, desbotado. Eu me queimava inteiro de dor à medida que você me liquidava. Fui aprisionado numa terra que não mais te tinha; sua ausência era minha única companhia. O que restava de mim e em mim era apenas lágrimas e solidão, suas palavras duras de um fim e seu sufocamento. Você tinha bloqueado tudo, todos os meus acessos, todas as estradas, portas e janelas; trancafiou-me no mais obscuro vácuo, onde o eco da minha voz respondia as minhas próprias indagações. Acho que nunca encontrei a saída desse poço que me deixou, nem consegui me livrar desse gosto amargo de derrota na boca que não sai com o cigarro ou a bebida mais forte, porque teu gosto ainda persiste. Maldito amor meu que chora, mas ainda é seu, completamente…

… O ano deve ter acabado, certamente, enquanto eu escrevia esta carta. E outro ano, por sua vez, deve ter começado no tempo em que eu chorava. O pensamento recai em ti e a saudade ficava em mim. O ano é novo, eu sei, mas a saudade é tão antiga que não se pode medir; e dói fundo. Depois, amanhã, quem sabe, vou à praia, medito um pouco, dirijo-me ao mar, tento me reenergizar, buscando um ponto, um equilíbrio, talvez o seu ponto, o nosso, deposito uma rosa para Iemanjá, dou 7 pulinhos e peço para você voltar. Se não voltar, tudo bem, porque, embora doa, faz parte da vida não conseguir, como você não conseguiu ficar e partiu; mas só peço que seja muito feliz, porque assim eu serei também, sabendo que você sorri e contamina a todos com seu sorriso. Porque se é verdade que eu te amo, é genuinamente verdadeiro que te quero feliz…

Bruno_Santos

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