[Você pode ler este texto ao som de Slow Coming. Ou tomando uma xícara de café comigo.]
Dizem que o maior desafio dos pais durante a nossa criação são as negativas. Negar, negar e negar. Negar sorvetes fora de época. Negar programas de televisão inapropriados. Negar saídas perigosas. Negar um mundo de coisas que não fazem sentido na nossa cabeça. Na Escola da Vida, ser pai é aprender a dizer não.
Cá estamos, com meus vinte e poucos, expert na arte de dizer não. Digo não o tempo todo, ao menor sinal da proposta, convite ou o que seja não se encaixar nas minhas demandas. Nego, nego, nego. Nego um cartão de crédito novo. Nego atenção por falta de tempo. Nego um convite pra jantar por puro tédio.
Vejo meus amigos fazendo o mesmo. Se o encontro demanda esforço, negam. Se precisam pegar uma ponte aérea, negam. Se chove, negam. Negar nunca foi tão fácil nos dias de hoje.
Em contrapartida, me espanto cada vez mais em ouvir “sim”. Parece uma eterna paródia de “Sim, Senhor”, mas é só um relato cotidiano: perdemos a essência de aceitar coisas que não fazem parte dos nossos planos. Perdemos aquele imediatismo sem agenda, aquele encaixe livre de expectativas. Se demandar esforço demais, negamos. Se demorar tempo demais, negamos. Se não se encaixar na vida esquematizada, negamos de pronto.
Os sins se tornaram fantasmagóricos. Chegam cheios de apreensão, cheios de desconfiança. Dia desses viajei mais de 100 quilômetros pra encontrar alguém que eu só tinha visto uma vez na vida. Disse sim. Todos se espantaram pela loucura, todos apontontaram alguma doença. É que o sim apresenta riscos desconhecidos pra quem não está preparado pra ele e, afinal, quem realmente está?
Nunca estamos preparados para aceitar coisas novas, surpreendentes, fora da rotina, não planejadas, que demandem esforço e que possam oferecer um novo horizonte pra gente. Dizer sim é um ato não só de bravura, mas de rompimento com o que a gente já conhece. É assumir uma responsabilidade, fazer um trato informal que pode mudar o seu destino.
Dizer sim é encontrar amor numa quarta-feira com chuva sem táxi no meio da Avenida Paulista. É viajar por horas de ônibus pra reencontrar alguém no ponto de chegada. É passar uma tarde admirando o pôr-do-sol nas Cataratas do Iguaçu. É abrir mão do medo de negar alguma coisa e aceitar o que a vida nos ofereceu de surpresa. Dizer sim é um exercício diário contra o medo, numa tentativa de coração aberto. Você pode dar de cara com a parede ou descobrir um mundo além do muro, você não sabe, eu não sei. O sim abre essa possibilidade que a gente precisa aprender a viver.
Na Escola da Vida, a arte de dizer sim não se aprende com os pais. Felizmente, cada um de nós acaba tendo a sua chance de experimentar isso de formas bem diferentes. Cada um de nós acaba enfrentando o desafio de ir além da nossa caixinha de surpresas.
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