Você ainda me incomoda


[Você pode ler esse texto ao som de Stone Cold]

Sabe, ontem fui num show qualquer a convite de uns amigos. Calor, cerveja na mão, tava usando a roupa errada pra ocasião, você diria. Sinto pinicar, mas não sei se é a camiseta ou se é porque eu complemento as coisas com o que você diria, com o teu jeito de enxergar o mundo. Subi as escadas rolantes e te imaginei no final, sempre na minha frente, esperando pra me dar a mão caso eu tropeçasse nos meus pés e caísse. Não deixe as crianças soltas nas escadas, dizem as placas. E as esperanças? Sou capaz de jurar que não deveria deixar essa vontade de te encontrar no fim das coisas, mas deixo. Subo os degraus e tem ninguém. Queria você por lá comigo, acho que gostaria da música. 

Você fala dele com tanta naturalidade que até eu já passei a considerar um recorte: ele tira o meu lugar nas fotos, ele entra no meio do seu diário e passa por tudo que eu passei. Ele é o seu agora, eu já fui. Parecia distante, mas de uns tempos pra cá é que eu quase pulei do parapeito lá da sala, pulei porque jurava que era você se afogando na piscina, jurava que era você caindo de bicicleta na rua, jurava que era você. Corri pra te salvar, e quem precisava de salvação era eu.

É curioso. Primeiro porque a gente acha que tá tudo bem. Depois de um tempo, fica fácil conviver. Falam de você, ok, vida que segue. Contam de você como se deixassem escapar um segredo, sorrio e faço um comentário neutro, elogiam como eu ando bem. Minto bem também, tão bem que achei que tava tudo bem mesmo. Tô feliz por você. E num segundo momento me falam dele. Como ele é. O que ele faz. O que eu não sou. Quem eu não fui. Mas por que me incomoda?

Falo normalmente com você. Pontada.

Falo da vida e pergunto da sua. Pontada.

Falo do trabalho e você fala dele. Pontada.

Não deveria incomodar, não deveria doer, eu não deveria viver nessa ideia antiga de que você ainda observa a minha vida e opina. Não deveria esperar você no alto de escadas rolantes nem em casa. Não deveria tentar te salvar porque agora é a vez dele, quem precisa ser salvo sou eu. E não é você quem vai me salvar. Você também passou. Ponto final.

Ainda arde um pouco. Ainda parece que eu vou dar de cara com a parede quando caminho olhando pra baixo. Ainda demora um tempo – quanto tempo? -, pra eu deixar de vez de me incomodar. Ou isso nunca muda e não me avisaram. Só disseram que eu deveria sorrir e não me importar, disseram que eu deveria ficar feliz por você, disseram que tava tudo bem em conhecer outras pessoas e falar delas e te ver todo dia e falar com ele e fingir que eu sou forte, mas não sou.

No fim das contas, você ainda pinica, perturba, me sacode, incomoda, mexe comigo, fica aqui dentro e tudo mais. Você ainda faz tudo isso. A única coisa que não vai fazer é me salvar.


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