[Você pode ler este texto ao som de Como Eu Quero]
Numa das músicas mais icônicas do Leoni, ele brada um refrão apaixonante durante um show e os casais se abraçam ainda mais forte. “Como eu quero” é uma daquelas músicas que parecem lindas e escritas para declarações prontas pra quem a gente quer bem. Os casais se apertam ainda mais enquanto reviro os olhos à procura de alguém são (e salvo) na multidão. Nada. Ninguém entende, só eu e o Leoni.
“Como eu quero” fala de dominação e de não acreditar que a pessoa possa ser feliz sem você. Fala sobre mudar hábitos e montar uma espécie de monstro a la Frankenstein do jeito que você sempre quis. Num acústico delicado, talvez, até um hino demoníaco soaria fofo. O problema não é da música, é da gente.
Fomos romantizados demais pra achar que certas coisas são normais. Entrar num relacionamento, mudar o outro, ditar as regras, exigir retratações, bradar mudanças de comportamento, fazer birra no chão dizendo que sabe que a pessoa nunca vai se livrar da gente porque, bem, sem a gente ela é ninguém. Não existe amor nessas coisas todas, existe controle, existe raiva, existe uma clara demonstração de poder embutida numa melodia fofa. Existe uma clara retratação de alguns relacionamentos disfarçados de amor.
Em um certo momento do show, Leoni parece tão cético quanto eu. Não é possível que a plateia não veja a clareza na letra. Não vê, Leoni. Eu também não veria se tivesse emocionalmente envolvido, abraçado, num filme de terror que parece sessão da tarde de tão floreado que é o cartaz. Ele acelera a melodia, segura o violão com fúria, parece querer desmascarar todo mundo ali. Explica que agora o público vai entender do que se trata a história. Num rompante de agressividade, ele atira as verdades-nada-bonitas ditas com fúria. Tira essa bermuda! Faz cara de mistério! Eu quero você sério!
O silêncio é profundo no auditório.
Você precisa de um retoque total, eu sou artista e você é só um rascunho. Você por mim, você sempre se doando por mim, você indo pra forca por mim, você tudo por mim e eu nada. Eu quero você do jeito que eu quero, não com intensidade, como sugere a música. E eu sei que você vai ficar porque, cá entre nós, o que você seria sem mim.
Algumas pessoas estremecem.
Leoni avisou que parecia uma música delicada e inocente. E de inocente esse tipo de relação não tem nada. Pena que, às vezes, o tom de voz precisa levantar pra que as pessoas envolvidas percebam. Pena que, às vezes, é necessário que avisem do modo mais brusco que estamos numa cilada. Pena que demora.
Alguns casais se soltam e a música termina. Sussurram todos estremecidos. Alguns continuam sem entender nada, outros repetem pra botar na cabeça de uma vez. Palmas. Dentro da minha cabeça, e da de um monte de gente, fica um eco musical gritando “como eu quero” várias vezes.
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