E aí, sumido?


Engraçado como você só se lembra de mim quando se esquece que eu existo. Nosso relacionamento é uma daquelas grandes ironias ambulantes que um dia viram comédia romântica da Sessão da Tarde. O único e importante detalhe é que não acabamos juntos no final, cada um ganha sua franquia cinematográfica uma beeeeem longe da outra.

Nem parece que a gente começou tudo juntos, que trocamos carícias e até fizemos planos. Os planos se embolaram como um novelo e quando a gente desembaraçou tudo percebeu que você tinha os seus e eu, os meus. Eles nunca tinham sido os mesmos.

As diferenças foram cavando esse penhasco que agora nos divide, trabalhadoras e esforçadas essas diferenças, porque agora nem dá para lembrar que um dia andávamos de mãos dadas. E você grita láaaaaa do outro lado: e aí, sumido? E eu rio. Quem foi mesmo que sumiu?

Os relacionamentos modernos são modernos demais para mim. E não há nada mais moderno do que projetar. E quase sempre projetamos o que é ruim, nossas inseguranças, nossos medos mais mesquinhos. Você me esqueceu, mas em algum momento a solidão veio coçando à noite, naquele frio que arranha a costela e incomoda mais que comida presa no dente. Bateu aquela sensação de que a gente poderia ter dado certo, mas você só precisava de um conforto.

Você pegou seu celular, você abriu seu Facebook, você comentou na foto do meu Instagram. E aí, sumido? E eu pensei aqui comigo se deveria responder. Porque eu não sumi. Eu apenas aceitei o seu esquecimento, eu abracei a certeza de que não era pra ser e é bom aceitar em vez de projetar.

Não sumi não, eu respondi. E era tudo o que você precisava para dormir bem novamente, aquele cobertor que faltava para aquecer seu ego. Eu sorri quando a conversa durou segundos, ri porque sabia que ia ser assim, sempre é. Mas fiquei feliz por mostrar que não sumi.

Foi um pouco de insegurança minha também, porque eu não precisava dar esse sinal de fumaça, de que eu ainda existia e continuava meus dias da mesma forma que fazia quando a gente se afastou. Do seu lado era a vontade de ter conforto, do meu lado, a vontade de autoafirmação. Era um jeito de falar que eu não precisava de você e ainda me arrependo um pouco de me sentir assim, inseguro a ponto de precisar ser sua segurança. Eu deveria simplesmente ter ignorado a janelinha do seu chat, seu comentário cheio de emoji. Eu deveria continuar meus dias como os dias foram desde que a gente decidiu, sem mesmo falar uma palavra, que a gente não precisava mais trocar palavras, que a gente não precisava mais fazer parte do dia do outro.

Você sentirá essa sensação novamente: de que você está desaparecendo e sumindo para os outros. Essa mistura de solidão e insegurança, esse medo de ser rejeitado, de ser esquecido. E aí você vai disparar essa pergunta, de novo e de novo. E aí, sumido?

No fundo quem não quer sumir é você. E você só se lembra de mim quando percebe que já me esqueceu.


Nota do Bovolento: “A vida é um jogo de dados” é um livro de contos construído aos poucos por Rafael Farias Teixeira: toda semana um novo texto aqui no Entre Todas as Coisas. Depois ele é adicionado e compilado no aplicativo de leitura Wattpad. Clique aqui para ler o que já foi publicado.

rafaftex

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