[Você pode ler este texto ao som de Speaking of Truth]
Você vem atrás e eu recuo, dou umas risadas e sumo por horas. Esqueço de você, não da vida. Continuo andando por aí, vendo outras pessoas, indo a outros bares, comendo nos mesmos lugares que comi com você. Não dói em mim, nunca doeu. Esqueço um pouco de quem você era e, de vez em quando, esqueço também o seu nome. No fim das contas, você virou um contato fantasma na agenda do meu celular. E não te digo isso com clareza, não te digo nada. Só rio e as minhas palavras digitalizadas ecoam na sua cabeça como se a gente estivesse num corredor vazio com paredes molhadas. Não estamos, você está. Eu já fui embora.
Não te digo porque seria cruel, ou é cruel justamente porque não te digo nada? Uma vez tentei dizer e fui apedrejado em praça pública. Não consigo forjar interesse, desculpa, não consigo fingir que gosto de você. Me escondo nas conversas não respondidas, me escondo nos dois tiques azuis que cortam mais que navalha. Sufoco você aos poucos, mas não é com a minha presença. Pelo contrário, é pela ausência. Eu consigo ser um fantasma pior do que você é: te assombro de verdade, sou teu homem do talvez, sou teu homem que nunca foi de verdade. Eu rastejo por aí, e você mal sabe que não existe antídoto pra esses casos parasitários. Porque você gosta, porque você quer, não é? Por que você insiste em mim?
“É porque eu não quero me apaixonar”, mas não é. Minto pra você e pra todo mundo que não embarca no primeiro grupo de interesses meus. Se você dependesse de mim pra te salvar numa Arca de Noé, morreria. Morreria numa solidão animalesca que se alastra mais que alguma praga do Egito Antigo. Morreria num eterno vai-mas-não-vai, num eterno carinho de migalhas que é tudo o que eu te ofereço. Você não percebe, mas eu só não digo com todas as palavras porque grito com o meu corpo. Grito na manhã seguinte quando deixo o outro lado da tua cama desarrumado, grito quando finjo que não te vi quando já estava em outra. Grito tanto e você não escuta, grito feito louco enquanto viro dois copos numa balada qualquer em que você não está. Não me lembro de você, desculpa, mas qual é mesmo o seu nome?
Não adianta sentir raiva de mim porque você é um pouco como eu. Se você me acusa agora, você também deveria apontar o dedo pro peito e atirar. Fuzile-se. Engatilhe a arma na boca e dispare. Não é isso que você quer fazer comigo? Se eu sou teu homem do talvez, você já foi o talvez de alguém. E pode parecer cruel pra caramba (só porque é com você), mas quando foi com outro alguém, você nem se sentiu mal, não foi? É assim mesmo, essa nossa doce ilusão de que só é dor se for com a gente, só é péssimo quando machuca. No fundo, estamos todos cercados de arames farpados pra cortar quem passa pela gente. Você vem atrás e eu sorrio, finjo que tá tudo bem e nunca te digo que, na verdade, você não me interessa. Nem você diz.
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