Deixa ele entrar


[Você pode ler este texto ao som de Unconditionally]

Você gosta mesmo dele, não é? Acho bonito isso, dá pra ver na sua cara que gosta mesmo e que palpita quando ele tá por perto. Ele parece gostar de você, não parece? Pelo menos, ele te olha de uma maneira doce pra caramba. Poderia jurar que ele não mente, não tem como. Ele te encontrou no meio daquela gente toda e te puxou, não te deixou sair de perto. Nem tentou te salvar. Ele sabe que não dá pra salvar quem não pode ser salvo. É o que você mais gosta nele, não é? Ele não tenta ser super-herói nem nada do tipo. Ele só tá ali e parece que vai ser assim pra sempre: ele vai chegar feito temporal e te fazer ressoar. Quando for ver, já não vai ter nada te impedindo de beijá-lo na chuva, nada te impedindo de subir nos ombros dele pra enxergar mais alto. Quando for ver, ele já vai estar aí.

Ele faz você sentir que as músicas fazem sentido, que as coisas são mais Rather Be que I’d Rather Go Blind. Nada contra clássicos que tiram a gente de dentro do corpo e dão uma sacudida na alma, mas ele faz justamente o contrário: ele te devolve pra você mesmo. Existem pessoas que fazem isso com a gente. Já tive amores que me tiravam de dentro e me jogavam sem pára-quedas, amores de abismo. Aprendi a mergulhar no escuro com eles. Apesar da adrenalina, no fim das contas, eles todos machucavam. Mas ele não, ele é como uma chuva de janeiro que vem pra te fazer lembrar do cheiro de terra molhada. Você nem se importa se vai chegar em casa encharcada, só quer se banhar nele. Ele nem se importa de chegar em casa, só se importa de chegar em você.

Você diz que não e recua, talvez tenha medo de dizer tudo o que sente, talvez seja só por segurança e te entendo. Entendo tanto que abro um sorvete às 3h da manhã e repito tudo o que já disse mais uma vez na frente do espelho. Ele ama você. Por que você não acredita?, pergunto pro meu rosto. Não sei, a gente não acredita quando o amor acontece com a gente. É que parece coisa de filme, parece uma daquelas coisas feitas pra darem certo pros outros, pra darem certo nas utopias, mas não com a gente. Ninguém ensinou como seria lidar com as coisas boas, só aprendemos a lidar com a parte ruim.

Noutro dia, a minha terapeuta me disse que o meu maior problema era amar o impossível, criar histórias mirabolantes pra contar pros outros e sofrer num quarto fechado. Disse também que era tudo uma maneira discreta de dizer pro mundo que eu não precisava de ninguém, mas era só a minha forma de não ter que lidar com algo real. Desliguei o telefone pra não ser achado, fui por outro caminho pra não ser achado, fiz de tudo pra não ser achado. Mas não adianta, ele sempre me acha.

Ele não é eclipse, não, eu acho. É mais luar, é mais uma coisa bonita que nem era pra ser e foi. Me encontrou no meio da multidão e me puxou. Perguntou se eu acreditava em destino, eu acredito, tem como não acreditar depois que ele aconteceu? Eu é que me tremo toda, mas tô aprendendo a lidar com as coisas, com os nossos signos. Tô aprendendo a ler o corpo dele em braile, tô aprendendo com as mãos e os lábios sobre os contornos das costas dele. Ele é todo mapa, eu sou toda mapa. Ele é a prova de que, de vez em quando, dois mundos podem colidir sem se destruir. Ele ama você. Por que você não acredita?, repito pro espelho e fecho o pote de sorvete sorrindo.

Você gosta mesmo dele, não é?


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