Isso aí. Você conquistou do direito de acrescentar mais uma vela no topo do bolo, aquele que seus colegas de trabalho, sua família ou até seus companheiros de body pump resolveram comprar naquela padaria super valorizada da esquina. Eles acharam que você merecia um agrado, um mimo, um reconhecimento por ter sobrevivido mais um ano cometendo os mesmos erros.
Você poderia estar em Bali, finalmente tirando aquelas férias paradisíacas de página de revista de viagem. Poderia ter superado aquela obsessão pelo corpo perfeito que você cultivou na academia e destruiu nas escapadas noturnas de traição com a geladeira. Você poderia estar colhendo os frutos do seu próprio negócio que você finalmente arriscou fora da sua imaginação, mas que você esqueceu nas pilhas de pastas da que firmam sua firma.
Isso nada mais é do que conhecemos comumente como inferno astral, aquela expressão urbana que usamos jocosamente nos status das redes sociais para confirmar para o mundo que realmente não saímos do lugar, nada mudou.
Tudo bem, sejamos um pouco mais justos: inferno astral é aquele momento em que você percebe que falta algo, que você não conquistou ou mudou algo, um comportamento, um relacionamento, não cultivou algum crescimento pessoal. Você olha para trás e começa a marcar semelhanças com o ano anterior, e o anterior, grifando tudo com canetas neon. E tudo fica tão pintado e chamativo que não dá para negar que você cometeu novamente os mesmos erros, você se deu ao luxo de esquecer seus planos e jogou ao lixo seus verdadeiros desejos.
Inferno astral é aquele desespero que antecede a sentença, e por mais que você a conheça você ainda fica nervoso, e ainda esperançoso de que talvez você esteja enganado e que tudo se transformou. O inferno astral é aquele comichão desgramado de fracasso que você não consegue arrancar da sua consciência apenas coçando. E a conclusão é que quem não o sente, não o teme, não se perdeu no meio do caminho.
É uma sensação horrível não saber o que fazer, com tão pouco tempo para mudar e tentar conquistar algo que você esqueceu de fazer em todos os dias anteriores. É perceber que aquele prazo passou, que o alarme não te despertou, que o tempo passou e você ficou olhando tudo passar com cara de babaca.
Inferno astral e aniversário são aquelas bombas bipolares de emoções que nos jogam em um tobogã jorrando confusão e nos expelem num mar de interpretações e significados. Você pode se afogar ou se apegar a um deles é ficar à deriva até o próximo ano. Ou você pode criar um barco improvisado com todos eles.
Parabéns mais uma vez por cometer os mesmos erros. Parabéns por ser humano. Saiba que mesmo quando as chamas das velas do bolo se apagarem com o sopro do seu corpo, a chama não precisa se apagar, o sopro ali dentro não precisa parar de soprar. Se velas realmente concedem desejos nos aniversários, peça que eles te tragam mais erros, e com eles mais sabedoria e humanidades.
Coma uma fatia – ou duas, ou três de bolo – e enterre o inferno astral em açúcar. Porque ele é verdadeiro, mas ele não precisa ser seu companheiro nem muito menos seu algoz. Limpe a cobertura dos cantos da boca, veja se nada ficou entre os dentes e sorria. Abrace e aceite que todo dia é um novo dia para cometer erros, repetidos ou novos.
A vida é um jogo de dados. Mas é também o apagar e acender de velas.
–
Nota do Bovolento: “A vida é um jogo de dados” é um livro de contos construído aos poucos por Rafael Farias Teixeira: toda semana um novo texto aqui no Entre Todas as Coisas. Depois ele é adicionado e compilado no aplicativo de leitura Wattpad. Clique aqui para ler o que já foi publicado.