Depois dos 20


[Você pode ler este texto ao som de I Lived]

Depois dos 20, eu parei de ter certezas. Cansei de dizer que tinha tudo planejado feito trilho de trem. Faculdade, talvez intercâmbio, carreira, um estágio bacana que dava pra tomar as cervejas e pagar as entradas das festas e tal. Não previa que o fim da trilha estava descontinuado. Continuei no vagão, cegamente como fazem os que não passaram dos 20, sem me dar conta de que depois daquele ponto as coisas mudariam pra sempre.

Depois dos 20, lá perto dos 25, a ressaca nunca mais foi a mesma. Aos 18, catuaba era suco e champanhe podia ser tomado no café da manhã. Agora tudo causa dor de cabeça, enjôo e uma promessa fervorosa na frente de qualquer paróquia que aquele foi o último pileque. Aliás, o rombo na conta bancária é tão grande que faz diferença no orçamento do mês (se você já se banca, mora sozinho e tem contas fixas pra pagar).

Depois dos 20, de fixo são só as contas e a grade de programação do Netflix. Seu corpo não se anima tanto com as sextas-feiras assim e prefere cair duro na cama. Você começa a ver que diversão pode ser reunir os amigos pra jogar video game e tomar umas taças de vinho ou beber cerveja em casa. Vê também que não esperar nada de uma noite e ter a aventura mais alucinante da sua vida sem ter que pedir permissão pros pais ou se matar porque tinha trabalho da faculdade pra fazer no final de semana é incrível. Nem tudo são malefícios, digo por experiência própria, as coisas só mudam um pouquinho.

Depois dos 20, eu achei que aprenderia a cozinhar. Nada. Continuo vivendo do básico, com muito frango, carne, tapioca e delivery. Aprendi que bagunça na casa dos pais só é divertido porque a gente era muito mimado e não tinha que limpar. Bagunça na nossa casa incomoda, e você pensa duas vezes antes de dar uma festa porque vai ter que gastar dinheiro, limpar tudo no fim de semana ou antes de ir pro trabalho no dia seguinte. Ah, o trabalho no dia seguinte. Se você for um pouco mais maduro que eu, vai entender que depois dos 20 é que se ouve o corpo. Tem trabalho, tem cansaço, tem obrigações da rotina (como ir à academia) que contam mais do que sair sem rumo numa quarta-feira qualquer.

Depois dos 20, os amores “bipolares” não são lá muito divertidos. Aliás, você perde um pouco a paciência de sofrer por amor e vai tendo cada vez mais medo de se jogar. Receio por conta das experiências anteriores vai fazer você formar uma barreira transparente, mas que faz sentir lá no fundo. Terapia, bar ou os dois vão fazer parte da sua vida quando você sofrer por amor. A diferença é que o bar vai dar dor de cabeça e a terapia vai resolver as coisas. Ah, mas relaxa, você também vai se importar menos com o que precisa de menos importância. Vai até rir de como tava agindo feito tolo duas semanas depois de tomar um fora de quem você nem queria tanto assim.

Depois dos 20, você começa a tomar alguma autonomia na sua vida. Talvez aos 20 ainda seja cedo, mas lá pelos 20 e tantos, você saboreia o prazer de tomar as rédeas das coisas. Toda causa vai ter uma consequência, isso é um fato. Mas é bom. Vai te ensinar em dobro sobre saudades, sentir falta, pagar as contas em dia, fazer coisas que você odeia – como as filas de banco e problemas com operados telefônicas.

Depois dos 20, você se livra daquela obrigação de ser perfeito, de escrever um texto coeso, você só quer expressar quem você é pro mundo. Como nesse texto escrito dentro de um metrô no meio do meu aniversário de 23 anos. Ah, se eu te contasse como tudo mudou dos 19 pra cá, você nem acreditaria. Você vai ver que as coisas não são tão fáceis, que viajar frequentemente demanda planejamento, que inserir alguém na sua rotina influencia muito na sua ideia de amor. Ou talvez você não entenda nada disso e essas minhas experiências sejam só minhas, bem longe do que você realmente vai viver. Essa é a delícia do mundo depois dos 20: a gente começa a ser tão nosso e passa a descobrir tanta coisa que, às vezes, nós não nos parecemos com mais ninguém. Nunca mais.


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