Só me lembro de você indo embora


A única coisa de que me lembro é das costas dele. Relaxadas e confiantes mesmo quando ele estava partindo, seu último adeus, o de verdade, o que ele teve coragem de pronunciar, de falar na minha cara, e não um daqueles adeuses que ele silenciava, escondia e mentia, usava como desculpa para me trair e mentir, se mentir, se disfarçar.

O amor dele sempre foi algo que precisava ser conquistado e eu nunca tinha moeda de troca. Ou a moeda que tinha nunca era boa o suficiente para conseguir algo em retorno. Enquanto eu tentava barganhar pelo amor dele, ele esbanjava o meu como se nunca fosse acabar. Porque o meu amor pagava pelo ego dele, por aquela confiança que ele tinha para ser o queridinho das redes sociais, o popular de todas as baladas, o mais elogiado do Instagram.

Meu amor era um recurso que eu vendia como um país pobre, pobre de autoestima. Enquanto o perseguia e implorava, deixava pequenos pedaços de mim pelo caminho, criando buracos, me despedaçando e virando migalhas para quem quiser pegar. Menos você.

Eu posso e vou escrever, sempre, nunca, claro que vou escrever, vou chorar palavras, sobre o dia que você me deu suas costas e um adeus, um adeus de punhalada, de tapa, de você não é bom o suficiente. Eu alimentei a esperança de que poderia mudar de novo e mudar de novo para ser quem você queria.

Meu amor próprio não era grande o suficiente para me impedir de brigar pelo seu amor, pela sua aprovação, pelo seu olhar, pelo seu respeito. E ele disse aquelas palavras, palavras que deveriam me libertar, me tirar daquele limbo emocional, daquele inferno pessoal. Porque não há nada pior do que lamber as pegadas de um amor inalcançável, de um amor que cospe na sua cara e ri das suas inseguranças.

“Acho que não dá mais. Acho que eu preciso de mais. Eu quero mais.”

E com isso eu acreditei que eu era menos, que eu precisava de menos, que tudo o que eu merecia era menor, diminuto. E eu aceitei. Eu nem consegui falar nada, só correr atrás de você como uma cadela tola e fiel.

“Foi algo que eu fiz?”, perguntei, porque perguntar e tentar achar uma razão para um barco que está afundando só cabe aos desesperados e esperançosos, e fui os dois, até não poder mais. Até agora.

Há algo de belo e doloroso em guardar um momento tão devastador como aquele. Naquele clichê do que aquilo que não nos mata, espero encontrar algo que me deixe mais forte, que me transforme em uma mulher protagonista de livros neo-feministas. Por enquanto estou aqui remoendo tudo o que você deixou, relevando todos os seus erros e esperando minha hora.

Hora em que as cicatrizes estarão tão grossas quanto a lembrança. A lembrança das suas costas partindo, me partindo e me deixando para trás.


Nota do Bovolento: “A vida é um jogo de dados” é um livro de contos construído aos poucos por Rafael Farias Teixeira: toda semana um novo texto aqui no Entre Todas as Coisas. Depois ele é adicionado e compilado no aplicativo de leitura Wattpad. Clique aqui para ler o que já foi publicado.

rafaftex

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