[Você pode ler este texto ao som de The Love We Had]
Cê acha que isso aqui vai demorar muito? Não o filme, mas a gente. Isso aqui que a gente tem e que um dia passa.
Acho que sim, acho que não. Não sei. Tempo é relativo. Pra você pode ter sido um ano, pra mim pode ser uma vida. A gente nunca sabe quanto tempo o outro vai morar na gente depois da despedida.
E você vai querer se despedir de mim ou espera que eu vá embora sem bater porta? Me diz agora que tá tudo bem que eu anoto pra não te magoar mais.
Cê acha que vai me magoar muito? Não imagino nada que você possa fazer pra me machucar. Só se colar chiclete no meu cabelo e ele não sair nunca mais, me obrigando a raspar a cabeça, mas daí eu te dou um murro e fico sem falar com você. Vai me fazer te achar imbecil, mas não vou te odiar por isso. Acho bem difícil conseguir odiar você.
Hoje.
Não, em qualquer situação.
Por quê?
É só olhar pra essa sua carinha de quem tá perdido no mundo que a gente te abraça.
Me abraça?
Abraço. Sempre abracei. Até quando a gente não se conhecia eu já te abraçava na chuva.
Como?
Você não sentia que uma hora a coisa toda ia passar mesmo que tivesse esquecido o guarda-chuva em casa? Sentia uma certeza absoluta de que ia ficar tudo bem, não importa quão molhado chegasse no destino? Eu era essa certeza, na verdade, eu era o abraço. Você só não sabia ainda, mas eu sempre te dei abrigo, te dou até hoje. Não sei fazer outra coisa senão te dar abrigo.
E quando isso acabar?
Eu vou continuar te abraçando na chuva. Não vejo outra maneira, não tem como mudar isso.
Não sei. Acho que eu não vou me acostumar com a gente sendo de outro jeito mais pra frente e isso vai me incomodar. Vai me incomodar porque o tempo desgasta e a gente se devora um pouco a cada dia. Uma hora você não vai querer atender o telefone, uma hora eu vou me esquecer do seu nome de propósito. Será que a gente vai transformar o amor que a gente tinha em falta?
É possível. E daí eu vou viajar.
Pra onde?
Pra Ásia. Pra ler “Comer, Rezar e Amar” num trem da Tailândia. Pra ter a minha própria inspiração pessoal, uma grande revelação de vida enquanto tento te esquecer.
E se você não precisar?
Viajar? Claro que vou precisar. Se não precisar, invento que preciso.
Não, me esquecer. E se você não precisar me esquecer?
Daí é sinal de que eu me enganei. E que aquele abraço na chuva não era meu, não era seu. Se a gente não precisa esquecer um amor quando acaba significa que ele já tinha sido esquecido faz tempo. E qual é o sentido de se amar sem memória?
Se apaixonar pela mesma pessoa todos os dias.
Não, isso só acontece em filme. Sem memória a gente não constrói nada. Seja boa ou ruim, se eu não tiver lembrança nenhuma de você, significa que você nunca existiu pra mim.
Clementine?
Pior, porque ela escolheu. Eu não teria escolhido, você não teria marcado. Prefiro tentar te esquecer pelo mundo do que ter te esquecido aqui enquanto te olho.
Prefiro te esquecer na Bahia. Calor e acarajé. Pimenta pra queimar a língua e axé pra me animar da perda.
Só vai ser perda se eu te deixar. E daí eu não vou ter por que viajar e me encontrar de novo. Me deixa?
Te deixo. Mas não te deixo ir embora.
Me encontra no aeroporto e me pede pra ficar.
Você fica?
Não fico. Eu vou ter que ir, mas pelo menos não vou te esquecer tão cedo. A cena vai ser bonita.
Quando então?
Nunca. A gente pode até guardar o fim, mas não dá pra esquecer o amor que a gente teve.
Me guarda com você?
Guardo. Na Ásia, durante a viagem de trem na Tailândia, dentro do meu livro. Me guarda também?
Te guardo na Bahia, já disse. Te guardo em mim.
Cê acha que isso aqui vai terminar logo?
Espero que não. Espero que nunca.
O filme?
Não, a gente.
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