O que você quer dizer com “você sumiu”?


[Você pode ler este texto ao som de In For The Kill]

Barulho do whatsapp. Você nem acredita quando abre o aplicativo e dá de cara com aquela foto que revela um rostinho conhecido que tinha desaparecido dos últimos contatos. 22h45 e um monólogo monossilábico. “Sumido”. Sumido. Su-mi-do. Eu? “Sim, você sumiu”.

A cobrança vem no meio de um dia de estresse e expediente estendido. Tudo o que eu queria era chegar em casa, tomar um banho, abrir um vinho vagabundo e jogar as pernas pro alto do sofá pra ver um programa besta na TV e brincar com os gatos. E eu sou sumido? Sim, pois sim, sumi. E te digo mais: sumi porque você implorou, gritou, teclou letra por letra me pedindo pra sumir.

Você rosna mais que os meus gatos quando estão em posição de perigo. Rosna e ameaça ataque, mas a verdade é que você não passa de uma daquelas pessoas que dão corda, acham bonito montar trapézio pra gente subir e fazer malabarismo feito artista de circo. Veja bem, eu sempre respondi enquanto era um fluxo: você perguntava, eu respondia, a gente se divertia, até rolou um encontro ou outro, nada muito animado porque você parecia nunca querer estar ali. Dois dias sem sinal de vida e voltava como se nada tivesse acontecido. Ou como na maioria das vezes: eu ia lá e puxava assunto. Quer morte de dignidade mais severa do que puxar assunto ad eternum? Que fique claro que eu não vejo problema nenhum em puxar assunto, pelo contrário, se a gente quer alguma coisa, a gente vai atrás. É assim na lei da vida, é assim que as coisas acontecem. Mas pare e pense – e agora eu falo com você, caro leitor – quantas vezes nessa vida foi você o interlocutor principal da conversa? Quantas vezes, senão a maioria, senão todas as vezes em que é você quem dá sinal de vida pra receber uma resposta horas depois e bem pouco animada, requentando um assunto que não sai da porcaria do virtual? Sei que você vai me entender.

E do nada aparece o ser humano te cobrando presença. Seria engraçadinho se não fosse revoltante. Sabe por quê? Porque aquele tesão, aquela vontade de tirar o carro do freio de mão e engatar a primeira marcha com mais animação, aquela coisa de dizer pra si mesmo que “agora vai” morreu. Morreu no silêncio do whatsapp, morreu na falta de vontade, morreu no sumiço de 7 dias que denuncia que não faz diferença alguma em você estar ali ou não pra ela(e). Imprevistos acontecem, ficar preso até tarde no trabalho também, perder o celular e ser assaltado idem, mas a verdade é que aquela sua paquera distante, que mal mostra empolgação com o assunto – ou mostra, o que é mais frustrante – tá nem aí pra você. Ela vai responder enquanto você falar, mas a partir do momento em que você renunciar a iniciativa, vai perceber que tanto faz. Tanto faz porque ela te responde como se fosse obrigação, de uma maneira despreocupada de acenar as mãos e dizer que tá aqui. E volta do nada, talvez porque revirou a lista do whatsapp, talvez porque lembrou que tinha um novo episódio de série pra comentar com alguém e achou você. E te chama (na cara de pau) de sumido.

Vamos lá, meu bem, voltando a você, te explico. Sumi, sumi sim, e por mim você nem teria me achado. O meu sumiço, ao contrário do seu, não é silêncio, é resposta. Eu fiquei ali, tentei, insisti, mas uma hora cansa. Cansa pra todo mundo gritar e só ouvir o eco da própria voz. Cansa nunca ser convidado pra nada, nunca receber um alerta no celular dizendo que chegou mensagem. Porque quem faz isso no início, vai fazer pra vida toda. Quem não se anima com a gente, não sente a menor necessidade de estar perto na fase fácil, a fase em que tudo são flores e a gente ainda não conhece os demônios do outro, quem se ausenta aqui, vai se trancar sozinho num porão por dias e fingir sequestro quando a coisa avançar.

Sumi e sumo de novo. Não é orgulho nem precaução, como já te disse, é resposta. Porque por trás da sua acusação, do “você sumiu”, existe uma história de desinteresse. Só que não é de mim por você, ou talvez agora até seja. Sumi e foi bem lembrado o alerta do meu sumiço, porque faço questão de te deixar ver dois sinais azuis antes de te bloquear e sumir de vez. Porque, ao contrário do que pensam, as pessoas não gostam de desprezo, pelo menos não funciona assim comigo. Eu vou com você e você vem comigo ou nada feito. Você some e eu não vou atrás, não te procuro, não espalho cartazes desesperados por aí em busca de você. Some e eu entendo que desde o início você nem deveria ter aparecido.

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