Eu te esperei voltar


Eu te esperei voltar porque depois de bater a porta, ela ficou apenas encostada. Dormi com o trinco aberto na certeza de que o som dos teus passos ecoaria pelo corredor a qualquer instante. Te esperei porque você repetia que não fechava os olhos antes de beijar meus cabelos e me chamar de pequena. Por isso também não ousei me esticar pelo teu lugar na cama – o lençol permaneceu intacto, compartilhando a minha espera. Eu te esperei porque fiz dos teus olhos o meu livro de cabeceira, e dificilmente consigo embalar no sono antes de devorá-lo em silêncio, a um nariz de distância dos meus. E tua pele se tornou a minha roupa de cama, e o teu cheiro, o melhor calmante que já conheci. Esperei você me puxar pro teu peito e deixar eu fazer dele travesseiro, porque te entregar os meus sonhos se tornou o meu velho ritual diário.

Eu te esperei porque toda manhã era você quem adoçava o meu café, com duas colheres de açúcar mascavo e cinco minutos de cafuné. Porque tua caneca do Wolverine se recusou a desocupar o outro lado da mesa, e nenhum banho frio me fez despertar tão bem quanto o teu bom dia rouco. Porque ainda há papelada das tuas últimas composições fazendo bagunça na minha escrivaninha, e no meio dela eu não consigo encontrar nem o rascunho do meu artigo, nem o meu norte. Porque a lâmpada da varanda queimou novamente, e eu não quis me arriscar a subir a escada pra trocá-la sem ter certeza de que você estava pronto pra me aparar. E, ali do escuro, não consigo mais achar o sentido das coisas.

Eu te esperei porque teu creme de barbear ainda mora em minha prateleira, e o paletó que tua mãe te presenteou no último Natal ficou esquecido na pilha de roupa pra passar. Porque há sorrisos teus espalhados pela minha gaveta de meias, e aquele olhar por cima dos óculos de grau já virou artigo de decoração junto ao espelho da sala. Esperei porque só o teu violão sabe beijar a minha alma, e o meu corpo se acalma sempre que você dedilha a minha cintura. Porque toda vez que fecho os olhos sinto tua barba se roçando em minha nuca, e isso ainda me faz sussurrar teus acordes preferidos.

Eu te esperei porque há pedaços teus espalhados pelo vazio que a casa ficou, e eu ando me esbarrando neles enquanto faço de conta que estou tocando a minha vida. Tenho usado curativos pra disfarçar as feridas, mas a dor estampada em meus olhos me denuncia aonde quer que eu vá. Comecei a aceitar que a nossa história nunca foi imune a um ponto final, mesmo tendo acreditado por tanto tempo que nós éramos aqueles personagens cujo destino já é previsível na primeira página. Eu te esperei, porque o amor é esse grande tolo otimista que se recusa a perder a esperança.

Eu te esperei voltar. Tocar a campainha sem fôlego e dizer que veio correndo porque não queria perder mais tempo com o trânsito. Esperei teu nome estampar meu celular a cada nova chamada, e não pude conter o embrulho no estômago toda vez que chequei o e-mail. Esperei a tua camiseta suada  descansar nos pés da minha cama,  enquanto tua carne preenchia minhas unhas e tuas mãos se embaraçavam em meu cabelo. Ensaiei diferentes formas de narrar a saudade que andou ancorada em meu peito, e imaginei as ondas da tua voz prometendo que a vida voltava a ser maré alta. Eu desejei me afogar em você, até doer os pulmões, porque navegar é superficial e já não me bastava mais.

Eu te esperei, mas você não veio. A campanhia soou algumas vezes pelo carteiro, outras pelo delivery do chinês. O celular exibiu os nomes dos amigos mais chegados, e a caixa de e-mail esteve repleta de mensagens de promoções pelas quais nunca me interessei. Você não veio, e hoje finalmente eu me dei conta do quanto o meu café estava amargo. Gosto de amor vencido. Entendi que a nossa promessa de eternidade havia se perdido pelo longo caminho do sempre, e a única coisa que ainda durariam eram as cicatrizes por baixo dos meus curativos. Descobri ainda  que sou mais forte que o Wolverine, quando tive coragem de guardar a tua caneca lá no fundo do armário. De hoje em diante, qualquer hora que você voltar vai ser tarde demais.

Samia

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