(Por Douglas Cordare & Olivia Dias)
Você pediu para eu te esquecer e eu juro que tô tentando. Tô tentando porque eu cansei de ficar noites em claro pensando na gente, tô tentando porque eu não aguento mais ver que tem um pouquinho de você em cada pedacinho da minha vida. Mas caramba, tá difícil, viu? A cama tá estranha sem você ali ocupando o lado direito. E eu não consigo deixar o travesseiro fofinho como você sempre deixava, além de não ter graça nenhuma puxar a coberta inteira pra mim e não ter ninguém pra reclamar por isso. Pior que eu já tentei dormir em outros lugares, mas parece que só com a cabeça no teu peito eu consigo descansar de verdade. Sempre te disse que, gostando ou não, você é melhor do que qualquer colchão.
Tenho tentado fazer qualquer coisa para não pensar em você durante as madrugadas, acontece que eu to ficando sem opções. O cara do livro que eu pego pra ler tem todas as suas características, inclusive a barba falhada que eu tanto implicava; o filme que passa na TV tem um encontro inusitado numa festa tão chata que os protagonistas são obrigados a ficarem juntos em um canto simplesmente porque não dá pra ficar no meio de todo mundo. Igual a festa da Mari. Lembra como foi um desastre? Só serviu para gente se aproximar mesmo. Até hoje não consigo entender como as pessoas conseguem ficar todas amontoadas mais de 1h ouvindo exatamente o mesmo tipo de música. E falando em música, você não vai acreditar, mas até o vizinho que sempre reclamava do volume alto daqui de casa, colocou a nossa pra tocar no máximo ontem e eu quase, quase te liguei. Ainda bem que meu cérebro foi mais rápido e me lembrou que eu preciso te esquecer.
Mas tá vendo, é disso que eu tô falando, se é pra te esquecer, por que o vizinho colocou a nossa música? Entende? Por que o cara do livro é exatamente igual você? Por que a festa do filme tem que ser tão igual a festa da Mari? Nada disso faz sentido. É tipo um teste pra ver o quanto de você ainda tem em mim? Porque se for, você sabe que eu detesto essas brincadeiras. Não tem graça. Mesmo. Ainda tem muito de você por aqui, todo mundo sabe disso, então já pode parar.
Lembra aquela vez que você sumiu e deixou pistas pra eu te encontrar? Fiquei quase uma hora só pra entender a primeira e mais um dia inteiro pra assimilar as próximas. E eram só cinco. Cinco malditos papeizinhos. Não sou boa nessas coisas. “Repete a primeira coisa que você faz quando acorda.” Levanto, faço xixi, lavo o rosto, escovo os dentes, preparo o café da manhã… Faço tantas primeiras coisas, como eu ia adivinhar que era abrir os olhos, olhar pro teto e encontrar um bilhetinho azul indicando a próxima pista? Sinto tanta saudade de tudo isso.
Eu não sei o que fazer com a sua camisa xadrez que tá aqui, você quer ela de volta? Ela meio que não está se adequando a nenhum cômodo. Na sala não dá porque toda vez que eu sento no sofá pra ver televisão e encontro ela jogada do meu lado, lembro que você não está terminando o banho pra vir deitar no meu colo e escolher um filme pra assistir, você realmente não está em casa. Você realmente não vai mais assistir filmes comigo, muito menos deitar no meu colo. Na cozinha, ah, me faz lembrar os finais de semana chuvosos com bolo no café da tarde. A área de serviço tá com a janela quebrada e sua camisa pode ficar com frio à noite, então é uma péssima ideia deixar ela lá. No banheiro também, a cada banho a camisa fica um pouco úmida, então ela pode pegar uma gripe ou algo do tipo e eu não faço ideia de qual médico levar se isso acontecer. E no meu quarto, é, no meu quarto ela definitivamente não pode ficar. Porque, porque não. Não me entenda mal, nós dois sabemos que ela ficaria bem em qualquer lugar, não fosse por eu precisar te esquecer. Mas vamos ser honestos e racionais, na situação atual, ela com toda a certeza não fica bem em lugar nenhum. Na situação atual, você não fica bem em lugar nenhum.
Eu sei que não devia estar pensando em você, que já devia ter jogado sua camisa fora junto com todo futuro que a gente planejou. Sei que ficar te enxergando em tudo não vai adiantar nada. Se eu pudesse, faria igual naquele filme que o Jim Carrey apaga a menina de cabelo colorido da cabeça dele, sabe? Você ocupa tantas páginas no meu diário que eu já não tenho mais espaço pra escrever sobre alguém novo. Talvez eu devesse comprar um novo diário e estabelecer uma regra: não pode ter você, não pode ter nada relacionado com a gente. Isso. Mas pensando bem, se fosse assim, nas circunstâncias atuais eu não escreveria nada. Talvez eu não devesse mais ter um diário.
Você pediu para eu te esquecer e eu juro que tô tentando, então dá uma ajudinha e para de aparecer em tudo que eu faço. Te proponho um trato: você, sua camisa xadrez e todas as lembranças saem do meu pensamento e eu prometo que acabo com essa saudade absurda que tenho de você, estamos combinados? Não te procuro mais nos livros, nos filmes, nas músicas, pode ser? Você vai embora e eu de verdade te deixo ir. Eu te deixo ir. É isso. Acho que no fundo, é isso que tá faltando, eu deixar você ir. Essa coisa de ficar aparecendo sempre é só pra me fazer lembrar que preciso te esquecer, não é? Espertinho, você vai sempre ser melhor nessas coisas do que eu.
Dessa vez foram mais do que cinco pistas, mas agora eu entendi. Acho que tô te devendo um obrigada, então, porque no fundo você sempre esteve colaborando, só eu que não estava entendendo. Provavelmente você vai ter que insistir e mandar mais algumas, porque vai demorar um pouquinho pra digerir isso tudo, mas pode ter certeza que sem seu perfume e aquele seu sorriso que ainda é estranho não ter aqui comigo toda manhã, vai ficar mais fácil de te esquecer. Sem a camisa xadrez e sem o livro que te tem como protagonista, vai ficar mais fácil de te esquecer. Sem a nossa música e sem as lembranças do nosso passado, vai ficar mais fácil de te esquecer. E agora sabendo que toda vez que você vier, vai ser pra lembrar que eu preciso te esquecer, é, acho que vai ficar mais fácil de te tirar de mim, vai ficar mais fácil de te deixar ir. Vai ficar mais fácil te deixar ir embora agora que eu percebi que, por mais que o nosso pretérito tenha sido perfeito, eu quero viver no presente. Gramática nunca foi muito minha praia, mas eu vou, de verdade, acertar nosso tempo verbal.
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