[Você pode ler este texto ao som de Habits]
Ontem me perguntaram, veja bem, me perguntaram por que eu andava com os braços em volta do peito, como se me protegesse. Me perguntaram ali na subida da Frei Caneca, eu tava quase chegando na Paulista, um frio do caramba e o metrô tava quase fechando, dizia o relógio em um dos prédios. O metrô aqui em São Paulo fecha meia noite no domingo, tem noção de como isso é pouco cômodo pra quem tem que ir pra longe e é obrigado a voltar pra casa urgentemente? Pois é. Voltemos à pergunta
Me perguntaram se era pra me proteger, e não é. Nunca foi sobre me proteger deles, de ninguém. Eu me envolvo pra não me sentir tão sozinha, sempre me envolvo. Com o cara da semana passada eu continuava me abraçando. Com o de ontem, o tal da pergunta, a mesma coisa. Até com o coitado do meu ex de dois anos atrás eu me abraçada. Não era culpa deles, mas eu sentia frio, sentia um frio absurdo fosse 10 ou 25 graus, não sei te explicar.
Talvez eu pudesse explicar de uma forma simples, mas seria grosseira. Teria que dizer pra ele que me envolvo pra forjar o teu abraço, que me fazia não sentir frio. Pra forjar a segurança que eu sentia e a companhia de quem não se importava com a hora que o metrô fecha.
Fico perambulando por aí sempre agasalhada pelas coisas que me fazem lembrar você. Me agasalho com o perfume, sim, eu comprei um igualzinho ao que você usava. Ele era delicioso e ficava sempre na minha roupa. Não era de propósito, mas ficava. Agora fica de vez. Ando com um cachecol vermelho igual ao que sua mãe te deu no seu último aniversário, ela acabou deixando lá em casa depois que. Eu nos dias nublados, sempre neles, porque cinza combina com meu humor e vermelho vibra, vibra e me faz sentir viva, como se você ainda tivesse aqui.
Não falo pros caras que eles nunca vão chegar lá, a ponto de me aquecerem, porque eu acredito que um dia alguém vai. Mas é tão perigoso se prender ao tal “um dia”… Tem gente que se prende e finca os dedos, as pernas, cria raízes. Você não iria acreditar se te mostrasse essa gente toda que vive a vida esperando esse um dia chegar. Eu não espero, eu continuo fazendo meu contínuo movimento de rotação. Daqui a pouco faz um ano, lembra? Um ano de translação. Um ano desde que você não se despediu de mim e de mais ninguém.
Olha, ontem me beijaram e me perguntaram no momento exato sobre os braços. E foi inevitável não lembrar de você. Você nunca teria me perguntado nem faria esforço. Jogaria os braços em cima de mim enquanto subia a rua comentando o filme ruim enquanto entrelaçava os dedos nos meus e perguntava se eu tava com fome enquanto olhava pro lado e ria. Você sempre foi esse super herói que faz mil coisas ao mesmo tempo e registra tudo, cena após cena como num filme. Meu super herói. Você tiraria o seu cachecol e enroscaria no meu pescoço. E eu passava a noite inteira com o seu cheiro, sem nem sentir frio.
Agora eles não sabem, mas um dia vão saber. Vou sentar pra contar a história e te lembrar como a coisa bonita que você ainda é pra mim. Eles vão entender e respeitar, ou pelo menos ele vai. E talvez chegue o dia em que eu não ligue mais pro metrô fechando à meia noite de domingo. Talvez chegue um dia que eu mude a cor do cachecol, tire os braços de volta de mim e não sinta mais frio.