[Você pode ler ao som desta versão de Clown]
Eu tenho medo de palhaços e de escuro desde que era criança. Me lembro exatamente quando, num carnaval, atravessei a rua correndo e fui atropelado por fugir de uns guris fantasiados de palhaço. Rodas nos pés, nada demais. Passado o susto, ficou o trauma: palhaços me despertam risos nervosos.
Não sei o que me preocupa mais na atmosfera lúdica de um palhaço de circo, se é a felicidade exagerada, denunciando desespero, ou se é a minha reação em não interpretar a graça, mas a tristeza neles. Dia desses eu assisti ao Balada Triste de Trompeta, um filme espanhol que conta a história de dois palhaços. Um dos palhaços exclama que seria assassino se não fosse palhaço. E daí eu enxergo o ódio, a cicatriz por baixo da maquiagem, o desespero que pede pro outro rir enquanto grita esganiçado alguma piada.
E hoje é engraçado ver que a gente também se torna palhaço em algumas relações ao longo da vida. Quando somos os únicos da roda a não achar graça na piada porque, bem, ela não tem graça. O que mais me dói, no entanto, é quando eu viro o seu tipo preferido de palhaço. Quando você ri e gargalha e se diverte sem perceber que eu tô ali amarrado com a corda no pescoço. Seu tipo de palhaço que entrega o discurso e confessa o quanto quer você, o quanto tem lutado pra manter as coisas, e você ri. O típico palhaço que não é levado a sério por quem ama.
É divertido pra você, mas pra mim não. Você não vê, mas cada palavra que diz em tom de desprezo ou escárnio, com a intenção de me ferir no dia a dia, cada uma delas mancha meu rosto. Borra o olho desenhado, aumentam as bolsas enormes debaixo dos olhos. Desenrolam os cílios e vão rachando os lábios, abrindo ainda mais os poros. E eu tento sustentar um sorriso artificial pra não gritar que aqui dentro machuca, que aqui dentro tá implodindo aos poucos com a tua falta de carinho e cuidado. Enquanto isso, você leva a piada no dia a dia, sem perceber nada.
Meu medo de palhaços talvez continue crescendo por sua causa. Por causa dessa gente que vê graça em expor, incomodar, implicar, não ligar e não ter a mínima consideração. Meu bem, a gente já passou da quinta série onde colar chiclete no cabelo era sinal de amor. Hoje o riso vira humilhação, e pra gente que ama esse riso mata. Talvez, se você notasse os palhaços e seu olhar triste, se notasse que eles nunca riem enquanto fazem as brincadeiras, entenderia um pouco mais sobre o que sinto. Porque tenho a certeza de que meu medo de palhaço me ensinou a ser muito cuidadoso com quem sofre calado e não consegue botar pra fora, com quem usa uma maquiagem pesada pra disfarçar as olheiras e o “vou mal, obrigado por perguntar”.
Ouvindo aqui a música da Emeli Sandé, sentindo as palmas do público e as suas, vejo que talvez seja difícil mesmo entender tudo de onde você está. Sou seu tipo preferido de palhaço e talvez você sinta falta caso eu vá embora. Porque eu ainda não aprendi a rir da piada e nem sei quanto tempo o meu show vai durar. Mas com você eu aprendi a ter um pouco mais de compaixão por palhaços, mesmo com medo. E também sigo com medo do escuro. Desse escuro que você cisma em me deixar sempre que ri.