[Você pode ler este texto ao som de The End]
Nas manhãs em que você olhava pra mim e, aí no fundo, se perguntava se era mesmo tudo aquilo que sempre dizem. E passava a mão no meu cabelo sem conseguir disfarçar a ruguinha de dúvida de não saber se era realmente eu, se arrepiava cada pelinho do teu corpo, se dava aquela pontada aguda de desespero quando a gente finalmente percebe que não pode deixar a outra pessoa fugir. Era ali, naqueles cinco minutos em que você tava ali, mas não tava, que eu queria que você tivesse decidido lutar por mim. Sem que eu precisasse pedir.
Logo após as horas e horas de pesquisa para o seu mestrado. Quando eu chegava de mansinho e perguntava o que você queria: um café, um beijo, uma dose grande de amor. E te dava uma massagem pra fazer a vida parecer mais leve. Porque eu só queria que não doesse nos seus ombros como doeu nos meus ao ver cê virando esquinas sem me levar.
Naquela noite em que te machucaram aí por dentro e você ligou automaticamente pra mim. E eu corri pra te socorrer. E te coloquei no colo e te dei ombro, braço, abraços, beijos, carinhos e segurei suas pontas até você colocar seus pedaços todos juntos de novo. Quando você não soube o que queria fazer da vida. Quando você não soube por quem gritar, se voltava pra casa dos seus pais, se desistia da profissão que tinha escolhido ou se finalmente dava entrada num apartamento apertado lá na República.
Nos almoços de Natal lá na casa da sua família num interior que eu nunca me acostumei a ir, mas ia. E sorria desses sorrisões enormes até quando sua tia-avó me perguntava quando é que a gente ia casar, ter um filho, quando cê ia parar de me enrolar. E eu tinha uma vontade louca de responder que, na verdade, eu amava me enrolar – na cama – com você. Era ali que você tinha que ter me segurado.
Enquanto eu te via fugir e olhava com aquela expressão de não-acredito-que-você-tá-fazendo-isso-com-a-gente. Quando eu chorei escondido e você me ouvia do outro lado da cama e nunca virou pra perguntar o que eu tinha. Nas madrugadas em que você se fingiu de morto porque não tinha coragem de encarar que eu não aguentava mais ficar com um cara que não tava ali de corpo e alma. Alguém que nunca estava.
Quando eu cansei de te pedir em silêncio um amor que você nunca teve certeza que ia vir. Quando me bateu um desespero de ficar presa pro resto da vida numa promessa de paixão que nunca era concluída. No dia em que eu arrumei tudo e você nem se movimentou. Foi ali, enquanto eu ia, que eu mais quis. Que, em todas aquelas noites de abraços com o pensamento longe, você tivesse ficado. Que tivesse virado e sussurrado: tá tudo bem, eu vou começar a lutar.
Porque eu queria que você tivesse ficado comigo o suficiente pra não me deixar escapar.